ARTICULISTAS

O Povo

Ana Maria Leal Salvador Vilanova
AnaMariaLSVilanova@gmail
Publicado em 20/05/2024 às 19:23
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A excelente e aclamada série “Depois do Adeus” (2013) mostra a realidade dos “retornados”: aqueles portugueses que tinham emigrado para as colônias no continente africano e, quando estas se tornaram independentes, voltaram para um país muito diferente, que parecia não ter lugar para eles.

Entre as muitas dificuldades retratadas na obra, há situações cômicas, de tão absurdas. O protagonista, um dia, toma um ônibus para chegar aonde precisava; já seu carro ficou para trás, no além-mar, com a casa e tudo o mais.

Porém, naquele período turbulento, movimentos que repetem “povo, povo, povo” e apelam a tendências humanas infantis e utópicas, pipocavam na televisão e rádio, publicitando aquele “poder ao povo” que, no fim, sempre reverte, estranhamente, para a mesma meia dúzia. E quem reclamar acaba mal.

Chegando o ônibus ao fim do percurso, uma passageira reclama e, proclamando-se “o povo”, exige que o motorista a leve até o seu destino, bastante mais adiante. O homem explica que isso não é razoável e indica a linha que ela deve apanhar para chegar aonde quer, apenas para ver outro passageiro, declarando-se também “povo”, advogar pelo seu destino. Impasse dentro do veículo, parado ficou. Metáfora perfeita.

Todos os passageiros eram parte do “povo”, porém nenhum era todo ele. O serviço de transporte atendia o povo, porém um único ônibus nunca seria capaz de fazê-lo, sozinho. A insidiosa tática dos passageiros de se diluírem, individualmente, com o todo, no fundo, visava apenas ao benefício próprio.

As últimas semanas vêm proporcionando um curso expresso em “poder do povo” ao Brasil e ao mundo. A mobilização civil para socorrer e apoiar os atingidos pelas cheias no Rio Grande do Sul é, talvez, a maior lição que já tomamos na matéria.

O povo foi atingido, e o povo tem comparecido, em larga escala, com generosidade, competência, capilaridade, criatividade, iniciativa, eficiência e muita, muita coragem. O “povo” são os indivíduos, sofridos e abnegados, que têm se desdobrado para salvar vidas. No intuito de servir ao próximo, têm se superado, dia após dia, numa demonstração de força física, moral e espiritual.

Vai levar muito tempo, mas a crise atual vai passar. Quanto à compreensão do real poder do povo, cruzamos um portal. Não haverá volta.

 Ana Maria Leal Salvador Vilanova

Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica

AnaMariaLSVilanova@gmail

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