O psiquiatra entra da prisão para avaliar um condenado à morte. É a última ocasião antes da hora programada e, se for considerado insano, o preso não poderá ser executado. É a lei.
Assim começa o filme Nefarious (2023), que vem causando furor nas redes sociais. Curto, apenas 1h37min, o filme, cuja ação quase toda se limita à conversa entre dois homens numa mesma sala, prende a atenção pela força.
O preso, Edward, apresenta-se como “aquele que é nefasto” ou Nefarious, o demônio, e comunica ao Dr. James Martin que, até o final do dia, ele, o médico arrumado, civilizado e incrédulo, terá cometido três assassinatos.
Declarado ateu e acomodado em sua vida asséptica e confortável, o psiquiatra duvida. Segue na sua tarefa e mantém um ar condescendente e superior. É um profissional com uma atribuição, e vai cumpri-la.
Nefarious não esconde o jogo. Descreve em detalhe como se apossou do corpo do humano que habita, o infeliz Edward, que vive suas últimas horas neste planeta. Leva o psiquiatra a chamar um padre, uma vez que o doutor não domina teologia como crê dominar a psiquê humana. Em curto tempo, o sacerdote se vai, e permanecem os dois.
Pouco acontece de ação física; é a jornada interior que perturba. De fato, numa entrevista a uma rádio, um padre exorcista experiente comentou que, dos muitos filmes que já se fizeram sobre possessões demoníacas, este é o mais preciso e realista.
Talvez o filme esteja gerando tanto interesse devido à familiaridade. Na descrição do percurso da ruína, é fácil reconhecer a estratégia do diabo aqui, fora das telas. Qualquer ser humano será capaz de identificar as tentações pelo caminho e os momentos de escolha próprios e alheios.
Nefarious percebe quando o médico começa a sair do eixo, e deixa isso claro. Acreditando estar no controle da situação, o médico diz que não sabia que estava numa luta, ao que o demônio responde: “é por isso que você está perdendo”.
O filme, dentro dos seus limites dramatúrgicos, na verdade, mostra toda a humanidade. Naquele caso específico, um caso de possessão completa. Porém, a luta interior é a mesma para todos. A não perder.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica
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