ARTICULISTAS

A realidade social e as relações efêmeras: a importância de definir regras nas relações conjugais

Suellen Silva Soares
@suellenssoares_[email protected]
Publicado em 18/04/2024 às 18:21
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Dados importantes das relações familiares, especialmente conjugais, no Brasil foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no dia 27 de março de 2024. Tomando como base os dados fornecidos pelos cartórios de Registro Civil do país, o levantamento resultou em um aumento do número de casamentos e divórcios, refletindo uma clara mudança nas dinâmicas familiares e sociais.

Em 2022, foram registrados 959.019 mil casamentos, número maior se comparado com 2021, quando foram registrados 932.502 mil. Por sua vez, com relação ao divórcio também houve aumento, uma vez que em 2022 foram registrados 340.459 mil divórcios em todo o país, enquanto em 2021 foram registrados 299.846 mil divórcios.

No livro “Amor Líquido”, o sociólogo Zygmunt Bauman explora as transformações nas relações amorosas, destacando a fluidez dos laços afetivos na sociedade contemporânea[1]. Estaria Bauman antecipando os dados atuais brasileiros?

Presságio ou não, proliferam-se relacionamentos efêmeros e digitais, além de casamentos cada vez mais tardios. Ao contrário de antes, em que os padrões eram se casar cada vez mais jovens e permanecer casados até o fim da vida. Com isso, ganha relevo o tema da contratualização das relações conjugais, em especial, o casamento.

Os contratos nos direitos das famílias apoiam-se nos conceitos da autonomia da vontade e autonomia privada. Nesse universo amplo que são as famílias está a figura do casamento. Alguns estudiosos do Direito destacam que o casamento é uma forma especial de contrato e possui natureza jurídica negocial, ou seja, as partes podem negociar as cláusulas, assim como um contrato de compra e venda de um imóvel ou veículo[2]. Mas, atenção, existem regras que não podem ser discutidas ou modificadas, a exemplo da forma de celebração do casamento.

Em nosso sistema jurídico, o pacto antenupcial ou pré-nupcial é um instrumento legal que permite aos cônjuges estabelecerem regras específicas para vigorarem durante o casamento, ele é assinado antes do casamento. Nessa toada, contratualizar, por meio do referido documento, representa a máxima liberdade jurídica das famílias.

O pacto antenupcial pode conter disposições de conteúdo eminentemente patrimonial, como a administração dos bens, a divisão patrimonial em caso de divórcio ou falecimento, regime de bens, doação entre os cônjuges, indenização pelo fim do casamento ou eventuais traições, como a estipulação de pensão alimentícia para o ex-cônjuge.

Além de cláusulas envolvendo questões não patrimoniais, há ainda a possibilidade de estabelecimento sobre a permanência do uso do nome, reflexos jurídicos no descumprimento de deveres personalíssimos impostos entre os cônjuges, a exemplo da quebra de fidelidade, violação de privacidade, a fixação ou renúncia de alimentos em favor de um dos cônjuges[3].

Dessa forma, o pacto antenupcial oferece aos cônjuges a oportunidade de personalizar as regras do seu relacionamento, garantindo que estas estejam alinhadas com seus valores e expectativas. Entretanto, frisa-se que o pacto antenupcial não é o único meio.

Imagine a seguinte situação, um casal está casado há cinco anos e durante a convivência enfrentam dificuldades, mas não desejam terminar o casamento, essa é uma hipótese para o estabelecimento de contratos intramatrimoniais, que são contratos estabelecidos durante o casamento ou união estável, estabelecendo regras patrimoniais e de convivência.

Outro exemplo são os contratos pré-divórcio, em que as partes estabelecem regras para caso haja o divórcio em um futuro, evitando-se todo o desgaste quando o relacionamento termina. Além dos contratos pós-divórcio que buscam reajustar acordos e decisões estabelecidos durante o divórcio, eles são comuns em casos em que as partes pretendem manter uma convivência harmônica, seja em razão do cuidado dos filhos, vínculos jurídicos, utilização de bens em comum entre outros[4].

Desse modo, contratualizar a relação conjugal permite ajustar as mudanças que estão acontecendo em sociedade e que, na maioria das vezes, a lei não consegue acompanhar ou prever hipóteses. E não só, como pela “necessidade de reconhecimento pleno da autonomia privada nas relações da família fundamenta-se, exatamente, a partir da distorção entre as situações jurídicas previstas nas normas e o descompasso da realidade social”[5]

Se Bauman já anteviu sobre o fato de vivermos em uma sociedade onde as relações ocorrem de forma rápida, estariam os números extraídos dos cartórios de Registro Civil do país nos mostrando uma sociedade onde o desenvolvimento com profundidade e amadurecimento da convivência conjugal se tornam escassos, acarretando o aumento do número de divórcios?

Não sabemos, mas em tempos de modernidade líquida, contratualizar é proporcionar maior segurança jurídica, atendendo às necessidades individuais das partes envolvidas.

 Suellen Silva Soares

Advogada

@suellenssoares_

 [1] BAUMAN, Z. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

[2] GIROTTO, Guilherme Augusto. Contratualização das relações familiares à luz do Direito Civil-Constitucional. Revista de Direito de Família e Sucessões. v. 9, n. 1, p. 18 – 35, Jan/Jun. 2023.

[3] NAHAS, Luciana Faísca. Pacto Antenupcial. O que pode e o que não pode constar? In PEREIRA, Rodrigo da Cunha. DIAS, Maria Berenice (Coord.). Famílias e Sucessões: Polêmicas. Tendências e Inovações. Belo Horizonte: IBDFAM, 2018, p. 225-248.

[4] CARVALHO, Dimitri Braga Soares de. Contratos familiares: cada família pode criar seu próprio Direito de Família. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1498/Contratos+familiares:+cada+fam%C3%ADlia+pode+criar+seu+pr%C3%B3prio+Direito+de+Fam%C3%ADlia#_ftn1 . Acesso em:  11.04.2024.

[5] CARVALHO, Dimitri Braga Soares de. Contratos familiares: cada família pode criar seu próprio Direito de Família. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1498/Contratos+familiares:+cada+fam%C3%ADlia+pode+criar+seu+pr%C3%B3prio+Direito+de+Fam%C3%ADlia#_ftn1 . Acesso em:  11.04.2024.

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