ARTICULISTAS

Aquela criança, naquela esquina

Existem situações que nos marcam perenemente

Marília Andrade Montes Cordeiro
Publicado em 06/09/2014 às 19:45Atualizado em 17/12/2022 às 03:49
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Existem situações que nos marcam perenemente. Normalmente são fatos que não chegaram a uma definição, situações mal resolvidas, que nos deixam com o sabor amargo do “e se?”.

Se eu tivesse tido a coragem de ir àquele encontro, se eu tivesse permitido aquele beijo, enfrentado aquele vestibular, se não tivesse dito daquele modo, se ele tivesse se tratado mais cedo?!

Já se foi. O rio corre seu curso, firme e seguro. Nietzsche nos alerta que “o tempo não pode ser detido e a vontade não pode querer para trás”.

No entanto, aquela criança de olhos marejados, numa esquina da avenida Faria Lima, em São Paulo, me assombra como um pequeno fantasma. E já se passaram mais de 12 anos...

Meu marido e eu estávamos em mais uma peregrinação a hospitais, fisioterapeutas e clínicas, em busca de tratamento para nossa filha. Cansaço, aliado a inúmeras preocupações, eis que num sinaleiro fatídico, uma criança linda bate no vidro pedindo dinheiro.

Por convicção, sempre fui adepta do não doar dinheiro sem antes verificar situações. Creio que essas ajudas rápidas e passageiras resolvem nosso problema de consciência, mas não a questão social. E desta vez, também neguei, apesar do nó na garganta.

Jamais esqueci esse episódio.

Por diversas vezes faço essa catarse infrutífera e lamento que o passar dos anos e o viver tenha nos tornado tão prudentes e reféns do medo paralisante. Passamos a viver na defensiva. Saímos de casa como ratos assustados que saem da toca. Desviamos os olhos para não enxergar as injustiças sociais. Nos ensurdecemos para não ouvir o choro e as lamentações de nossos irmãos, calamos a voz para não nos envolvermos em discórdias alheias. Acolhemos muito pouco, mas estamos constantemente reclamando pelos cantos e colocando a culpa dos descalabros mundanos em todos, principalmente nos políticos. Enquanto isso, nos inebriamos em viagens, músicas, livros, falsas caridades, maridos, filhos e netos.  E incapazes de agir e reagir.

Até que um dia alguém: “rouba-nos a lua, e conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer mais nada” (Maiakovski).

Sim! Sombras do passado ainda me sufocam. E por isso, faço desse texto também uma oração. Peço a Deus que me restabeleça a coragem, para que eu não perca o sentimento de justiça, mesmo sabendo que a prejudicada pode ser eu. Que eu tenha sempre a frase calmante que possa diminuir as aflições. Que eu consiga  gravar na alma pelo menos um dos muitos ensinamentos de Chico Xavier – Servir e esquecer serão sempre as bases da harmonia e da elevação.

E finalmente, que se por amor vivemos e por amor morremos, que eu tema menos e ame mais.

(*) Mãe de família

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