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Antropofagia

A gravura ilustrativa das festividades organizadas para celebrar Henrique II e sua corte, assistidas em Rouen em 1550, é uma encenação com cinquenta tupinambás e marinheiros normandos

Gilberto Caixeta
Publicado em 17/02/2010 às 00:29Atualizado em 17/12/2022 às 05:59
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A gravura ilustrativa das festividades organizadas para celebrar Henrique II e sua corte, assistidas em Rouen em 1550, é uma encenação com cinquenta tupinambás e marinheiros normandos. Possivelmente dava-se início ao imaginário francês sobre o Brasil. No entanto, este imaginário é tão antigo quanto às primeiras décadas da chegada europeia ao continente, quando o franciscano André Thevet, embarcado com Villegagnon, publica As Singularidades da França Antártica (1558). O imaginário social é uma produção cultural na esteira civilizatória, que através de suas narrações produz elementos substanciais na formação do inconsciente coletivo trabalhado através da produção de imagens, retratos, relatos de viagens e músicas...    Entretanto, toda cultura é, no limite, "antropofágica", isto é, tendente a absorver o Outro que lhe desperta sentimentos. Ao longo dos séculos, a abertura do Brasil aos estrangeiros, alimentou o imaginário que, a seu modo, contribuiu para o intercâmbio civilizatório. Isso não cessa. É uma constante no processo cultural, seja com alguns refluxos nacionalistas resistindo a outros, por razões diversas. Ou o tolera, devido aos avanços conceituais postos na esteira civilizatória. Porém, os estereótipos permanecem, sejam por erros conceituais ou por pura preguiça, por não querer conhecer de outra forma. O carnaval é um exemplo, o ecumenismo religioso também. Os conceitos de gênero e etnias seguem o mesmo caminho. Assistir ao desfile de escolas de samba é se embriagar-se de imaginário social, tendo por visão os seus atores recorrentes.   O ecumenismo é um aforismo contemporâneo descido da esteira cultural do paganismo e do politeísmo civilizatório. Quando não havia o monoteísmo as práticas ritualísticas religiosas se toleravam principalmente em Roma e na Grécia. Com a superação das perseguições religiosas à época do Iluminismo, a tendência foi uma calmaria nas relações sem, contudo, representar ausência de estereótipos de uns com os outros. O ecumenismo, portanto, tentou sobreviver, mas se mostrou ineficaz ao longo da peregrinação na busca de novos adeptos. Hoje o termo está em desuso, porque ninguém acredita que seja possível abrir mão de seus dogmas e comungar com o outro a sua acepção de salvação. O que há é uma tolerância disfarçada em pregação, que alguns nem disfarçam; dessem a lenha mesmo. Enquanto que adeptos outros frequentam os espaços religiosos os mais diferenciados; menos por fé e mais por necessidades prementes de superação de dores não explicativas. Mas alguns fiéis ainda olham os outros fiéis com certa desconfiança, porque não admitem o intercâmbio cultural entre seitas. A esteira “antropofágica” da cultura não é a mesma das religiões. Só para ficarmos no Ocidente. 

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