No último relacionamento ela deixou marcas profundas
No último relacionamento ela deixou marcas profundas, mesmo dizendo que tudo tinha sido diferente. Conheceram-se ao passar pelo corredor de uma repartição pública. Olharam-se e não se gostaram. Mas ficou um cheiro de pele queimada pela química cósmica que os impregnou. Ela, de cabelos cheios e ouros a cobrir braços e dedos. De dentes retos, grandes e cristalinos. Ao se cruzarem, roçaram suavemente o antebraço de pêlos dourados, aspirando a fragrância depositada no espaço anteriormente ocupado por ela. Cheiro suavemente inebriante, que calcificava a lembrança da presença perdida pelos passos pretéritos. Por um momento, ele foi tomado pelo desejo de olhar para trás, mas conteve-se. Não resistiu e a viu num balançar de pescoço a jogar o cabelo para frente despindo-lhe as costas. “Que andar elegante e suave”, pensou. Equilibrando-se entre saltos a sustentar um corpo esculpido pela vontade pessoal. Não pode demorar no olhar, senão, ficaria ali a observá-la eternamente. Sentiu que fora condenado a cruzar com ela. A sentença: lembrar-se do cheiro. O carcereir o sorriso. O flagelad o olhar da ausência. Ele era um cara tímido de pouca fala. Não tinha nada de exótico ou de especial. Escolástica sentiu que fora olhada e desejou olhar para trás, porém foi contida pelas impressões iniciais de não ter gostado por quem passou, mas reteve-se em sorriso rápido. E aguardou, no entanto, aquele olhar em sua mente. Que mais tarde ela pode reconstituí-lo em sua solidão. Ao fazê-la só se lembrava da boca do desconhecido. De lábios vermelhos e grossos a sorrir com os olhos amendoados em um rosto que misturava altivez e aventura. Não quis olhá-lo, mas sentiu que o seu braço havia roçado o dele tendo a sensação de que ele se virara para mirá-la, e, sentiu aquele olhar em seu corpo. Ao término do expediente, casas distantes, rituais diferentes. Lembraram-se do acontecido. Escolástica ao dormir, sonhou, sonhou profundamente com aquele que havia passado por ela em um corredor, e teve sonhos que poderiam vivê-los, seja pela liberalidade ou pela ousadia de quer realizá-los. Evódio dormiu e sonhou, como nunca. Ao acordar as sensações de seus sonhos ainda lhe dominavam. Escolástica, como sempre, fez seu ritual e partiu para o trabalho. Ao se virem, sorriram como se tivessem compartilhado dos sonhos. Estava proferida a sentença.