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Agregar forças

O tempo é de sequidão. Céu limpo de nuvens

Terezinha Hueb de Menezes
Publicado em 23/09/2012 às 14:49Atualizado em 19/12/2022 às 17:15
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O tempo é de sequidão. Céu limpo de nuvens, o azul inundando os olhos de beleza. Areia fina perpassa pelas frestas, nada se mantém limpo, o vento, mesmo que leve, promove travessuras: e tudo se reveste daquela terra fina: ramagens, móveis, chão, telhados. Parece que até a alma da gente. Respira-se poeira.

E a chuva não vem. Falta de reza, dizem alguns. É preciso retornar aos velhos costumes: procurar um cruzeiro, levar flores e água em procissão, rezar, pedir a Deus a chuva benfazeja que jorre do céu. Não a chuva de devastações, engolindo barracos, despencando rochas, levando, com fúria, o que encontra pela frente. Mas aquela chuva mansa, parecendo bênção dos céus, lavando até os pecados da terra.

De repente, a nuvenzinha tingindo de branco uma nesga do céu azul. Esperneia, esgarça-se, parecendo abocanhar um grande regalo, recolhe-se de novo, tentando mostrar o heroísmo, para o qual não tem força suficiente. Debate-se de novo, pedindo ajuda: e, aos poucos, novas nuvenzinhas se agregam à primeira, toldando um pedaço do céu, agora tingido pelo cinza. E vai aumentando, na demonstração clara de que, na natureza, agregar simboliza força para cumprir intenções. Infla-se agora mais e mais aquela nuvenzinha inicial, tornada, neste momento, um imenso nimbo.

E a chuva cai. Mansa e continuamente, como que querendo proteger os homens com sua serena companhia, como lágrima que enternece os olhos de alegria bem chegada.

E fica-nos uma lição. Também nós, isolados, nada somos, nada podemos. Como aquela nuvenzinha corajosa, precisamos agregar forças e transformar nossa voz, particular e fraca, em roldão de vozes que se multipliquem mais e mais para ser ouvidas. E o seu ecoar fará tremer poderosos, no temor de se sentirem abafados em seus intentos, nem sempre claros, nem sempre humanos, nem sempre ansiados pelo povo.

Disse João Cabral, no poema Tecendo a manhã: “Um galo sozinho não tece a manhã: / ele precisará sempre de outros galos. / De um que apanhe esse grito que ele / e o lance a outro; de um outro galo / que apanhe o grito de um galo antes / e o lance a outr e de outros galos / [  ] para que a manhã, desde uma teia tênue / se vá tecendo, entre todos os galos.”

Assim com todos nós: como a tessitura das nuvens, como a tessitura da manhã, deve ser a tessitura de nossas vozes: juntas, uníssonas, ecoando os anseios de cada um, os quais devem ser os anseios de todos. Da coletividade – e não apenas de um – de forma solidária e fraterna.

(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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