ARTICULISTAS

Abandono afetivo e familiar do jovem LGBTQIAP+

Milena Caetano Cunha Callegari
Publicado em 04/03/2022 às 18:50Atualizado em 18/12/2022 às 18:36
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Ao longo do tempo e da construção da nossa e de muitas outras sociedades, a família sempre ocupou papel central na vida do ser humano. Hoje, admitimos que o conceito de família não é simples nem direto, não é proveniente só de laços de sangue e nem tem modelo fixo. Uma expressão costuma se repetir, no entanto, quando se pretende definir “família”: conjunto de pessoas que se unem por laços afetivos.

No sentido da Constituição Brasileira, a família é responsável por prover a criança, o adolescente e o jovem em seu seio da estrutura necessária para que estes possas ter uma vida digna: entre saúde, educação, alimentação, lazer, cultura, proteção e tantos outros, inclui-se aqui também o amparo emocional e afetivo – e quando isto não acontece, ocorre o que se denomina abandono afetivo, que acarreta consequências jurídicas e psicológicas aos envolvidos.

Em especial, tratamos aqui da minoria LGBTQIAP+, dos jovens que não se identificam como heterossexuais em sua sexualidade, ou que são transsexuais em sua identidade de gênero. Em 2016, foi conduzido estudo entre a população em situação de rua da cidade de São Paulo. Entre a minoria em questão, o principal fator que os levou à rua foi a família, segundo censo divulgado pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads). O preconceito sofrido levou essas pessoas a saírem ou serem expulsas de casa.

Diante do preconceito, do abandono afetivo que o jovem LGBTQIAP+ sofre pelos parentes próximos de sangue, a saída do lar é apenas uma das muitas consequências. Números mostram que o abandono afetivo e o preconceito também levam à marginalização, à prostituição, ao abandono escolar, ao suicídio, entre inúmeros outros impactos sociais e psicológicos. Não se intenta, aqui, entrar em discussão moral a respeito de sexualidade e gênero. Intenta-se, no entanto, alertar a respeito da gravidade da situação.

Muitos desses jovens acabam por formar uma outra família, esta sim unida por laços de afeto que não se confundem com os sanguíneos; muitos se reinventam e, apesar do desamor e do preconceito sofrido em casa, superam – não sem dor – as sequelas físicas e psicológicas. Este é o lado bonito da comunidade LGBTQIAP+, que acolhe e protege os seus. Entretanto, não é o caso para todos e nem deveria ser uma obrigação da própria minoria se acolher e proteger.

Cabe ao Estado a proteção de qualquer jovem, em especial os que se encontram em situação de vulnerabilidade. Cabe às famílias primárias de filhos biológicos ou adotivos cumprirem seu dever constitucional de prover não apenas material, mas emocionalmente pelos menores em seu seio. E cabe à Justiça aplicar em sua esfera as proteções já existentes, como as indenizações no caso de abandono afetivo e a criminalização da homofobia e transfobia como análogo ao racismo.

Cabe ao leitor, por fim, refletir. A família, acima de tudo, é sim um conjunto de pessoas que se juntam por laços de afeto. Se isso não ocorre, se isso leva ao abandono e a tantas outras situações menos ideais, é momento de refletir.

Milena Caetano Cunha Callegari

Advogada na Lusvarghi, Adão & Callegari, membro da Diretoria do IBDFAM/Uberaba

Instagram: @lac.advocacia

 

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