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A sorte

Está sozinho na praia. O mar azul, entrecortado por um dique

Terezinha Hueb de Menezes
thuebmenezes@hotmail.com
Publicado em 05/08/2012 às 12:54Atualizado em 19/12/2022 às 18:07
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Está sozinho na praia. O mar azul, entrecortado por um dique de pedras, acompanhando toda a orla, a uns trezentos metros, mar adentro, a água vindo de longe, reboando com força contra as pedras, explodindo alto em nuvens de espuma, para derramar-se, suavemente, depois formando serena lagoa.

Propositadamente, procurara o isolamento. Momento decisivo de vida. Optara por ela, investindo todos os sonhos. Quer aquele amor ao gosto de eternidade. Para sempre. Agora, é afagar a decisão. Daí o isolamento. Já trintão, não é a beleza comum da noiva que o atrai, mas o jeito decidido de quem sabe o que quer. E isso, ao mesmo tempo em que o deslumbra, deixa-o inseguro.

Pensamentos que vão e vêm... É preciso pensar. “Quer ler a sorte?” Besteira maior: a cigana, blusa de cetim branco e saiona vermelha rodada, escanchada sobre os pés descalços, espera a resposta. Ele ri. Ler sorte, nessa altura das preocupações, quanta bobagem. “Quer ler a sorte? A mão diz tudo.” Sem esperar resposta, a cigana agarra-lhe a mão e começa a falar. Ele rindo por dentro.  “Moço bonito é casadoiro. Quer mudar de vida.” Até aí, nada de novo. Tem aliança na mão direita. “Moça bonita, bom coração. Ama rapaz loiro. Repare a linha do coração.” E mostra, para o rapaz, o sulco direito do M de sua mão. “Essas linhazinhas: os filhos. Dois casais.” Agora, fala-lhe do futuro. Da fé que deveria ter. Da esperança de fazer a vida ao lado da mulher amada.

Seu ego até que encontra alento para as indecisões. Apesar de cético, acha bom. Paga o serviço, até mais do que vale. Mas ainda rind como poderia haver esse tipo de comércio, e o pior, gente que o alimentasse.

“Quer ler a sorte, rapaz? A mão fala tudo.” De novo a mão é arrebatada. E ele, no torpor, na preguiça e indolência do sol, nem consegue dizer não. “Moço loiro vai casar. Apaixonado por moça bonita. Repare a linha do coração!” De novo. Tudo de novo. Como as coisas são repetitivas! Parecendo o vai e vem das ondas, à sua frente. Aproxima a boca banguela do ouvido do rapaz. Olhos arregalados, sussurra: “Confia não. Moça traiçoeira. Enganando rapaz bonito. Olhe a linha esquerda, num é? Moço vai sofrer.” Imediato, arranca-lhe um fio de cabelo da testa e, enquanto o estica entre os dedos, reza baixinho. “Pra mudar a sorte. Não falha.” A boca banguela, cochichando com rapidez, enquanto ela o olha com ar de pena. Ele rindo por dentro. “Meu Deus, isto está acontecendo comigo. Ela tão esmolambada. Por que não muda o próprio destino?” A cigana aperta o polegar sobre a testa do rapaz. “Moço bonito livre.” Com os trocados na mão, sai em busca de outro freguês.

Agora, pensar o quê? Tão cético, tão descrente, a linha direita dizendo uma coisa, a esquerda, outra. Sabe que é bobagem. Fecha os olhos. Vê a imagem da noiva: o jeito decidido, a boca sempre aberta num sorriso de quem sabe o que quer. E o que ela quer, ele não tem certeza.

Começa a rir alto, sozinho, para o mar aberto. Por dentro, sem querer, a ponta de dúvida vai cavando o abismo, como um fosso sem volta...

(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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