Aos que compulsivamente buscam temas polêmicos por vezes acabam utilizando autores para enriquecer a leitura e a compreensão das normas escritas de um sistema jurídico. E seria também útil para o entendimento pensamentos filosóficos a este fim.
Neste esboço traçado sobre o direito à renúncia, instituto do direito das sucessões, onde o herdeiro, quer seja legítimo ou testamentário, abdica de seu direito de receber o bem que lhe é conferido por ocasião da morte de seu beneficiador.
Pois bem vejamos.
A polêmica gravita em torno da possibilidade de renunciar os direitos sucessórios que um cônjuge teria em razão do falecimento do outro; só que, esta renúncia seria feita no pacto antenupcial. Ou seja, previamente ao casamento.
Estamos tratando aqui de dois institutos do direito civil: a renúncia aos direitos sucessórios e o pacto antenupcial.
O pacto antenupcial, confeccionado através de escritura pública, instrui a habilitação do casamento, com a exigência de seu seguimento, sob pena de ineficaz a citada convenção. Sua lavratura segue os moldes determinados e convencionados no regime de bens escolhido pelos nubentes.
Não sendo encontrada decisões que enfrentaram analises de modificações das regras impostas e que caracterizam cada um dos regimes, razão pela qual o campo de estudo de casos práticos torna-se dificultoso.
Portanto, o que se conhece das regras que caracterizam e limitam a possibilidade de composição do regime de bens é a norma escrita, a doutrina clássica, a doutrina inovadora em alguns aspectos e nenhum conhecido julgado na Corte Superior, que já tenha apreciado esta nuance. Assim, estamos ainda à espera da apreciação do Poder Judiciário sobre a composição do regime de bens, utilizando os já existentes.
E esta precipitação, ocorrida em águas brasileiras, da renúncia entre os nubentes feita no pacto antenupcial, se deu em razão da recentíssima modificação trazida no Código Civil Português, que passa a permitir textualmente a possibilidade de renúncia recíproca à condição de herdeiro legítimo quando o regime for o de separação, quer seja convencionado ou obrigatório.
Entretanto, por aqui ainda não temos esta possibilidade, s.m.j., haja vista que as normas que tratam do assunto, a doutrina e a jurisprudência são enfáticas em afirmar que não podemos tratar de herança de pessoa ainda viva; pois um dos requisitos para a aceitação ou para a renúncia de uma herança é a abertura da sucessão. Pois o direito à herança só nasce no momento do óbito do proprietário dos bens a serem herdados; deste modo, não podemos abrir mão do que ainda não é nosso.
Em que pesem renomados doutrinadores pátrios defenderem a possibilidade da renúncia anterior ao falecimento, mesmo que seja no pacto antenupcial, o que nos faz crer ser apenas uma linha de defesa inovadora e reconhecida a excelente argumentação; todavia, ainda não temos na legislação vigente tal possibilidade.
A renúncia feita no pacto antenupcial deve ser analisada sobre dois aspectos: primeiro se o instituto da renúncia comporta esta antecipação à morte do autor da herança; e segundo se o pacto antenupcial poderá tratar desta transferência patrimonial quando nem sequer foi constituído o título sucessório – o casamento.
Ao iniciar este “legado”, se assim podemos chamar, em um jocoso tratamento ao tema ora em comento - renúncia no pacto antenupcial -, nos resta aceitar a determinação legal, podendo ser denominada até mesmo de servidão voluntária, como diria Étienne, onde abro mão da minha liberdade de transacionar o regime financeiro do meu casamento, mas em contrapartida ganho a segurança que o sistema jurídico me confere no caso de sua dissolução.
A autonomia pode ser precificada; e, infelizmente, às vezes não é acessível a todos.
(*) Dra. Mônica Cecílio Rodrigues – advogada, doutora em processo civil e professora universitária.