ARTICULISTAS

A nova ortografia dos portugueses

Evódio tem dúvidas de como se deve grafar o seu nome a partir desta canetada na ortografia, conduzida pelos acadêmicos de Brasil-Portugal.

Gilberto Caixeta
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 14:52
Compartilhar

Evódio tem dúvidas de como se deve grafar o seu nome a partir desta canetada na ortografia, conduzida pelos acadêmicos de Brasil-Portugal. Evódio havia levado tempo para aprender que o seu nome tem acento agudo, porque termina em ditongo crescente, “io”. Errou-se na regra que justifica o acento? Não tem importância, porque terá que reaprender a escrever algumas palavras sem acento. E por mais que ele queira escrevê-las sem o acento, o computador vai e conserta o que certo era e que agora errado está. Os livros e dicionários deverão ser reeditados; uma baita ajuda econômica que esses acadêmicos dão as editoras com os impostos de todos, sem efeito prático unificador.

Nossos revisores do JM terão mais problema comigo, até que eu aprenda a grafar corretamente as palavras, eu já dava trabalho a eles, que agora terão mais. Pelo menos o companheiro Walterson está feliz com o retorno, ao alfabeto, dos Y e K, fazendo coro com o W, que saíram da clandestinidade da língua portuguesa. E viva as Karlas e Joyces. Antigamente os nomes eram fáceis, hoje nem tanto. Pegue uma lista de chamada escolar e você entenderá o que estou dizendo.

Mas essa mudança foi ótima, nos permitirá corresponder fluentemente com  Portugal, Timor Leste, Angola, Moçambique, Guine-Bissau, São Tomé e Principe, Cabo Verde,  e todos nós, nos entenderemos num português acessível e comum. Inclusive, a partir de agora, ler José Saramago – Ensaio sobre a cegueira – será simples como ler Drummond ou Camões. Não podemos é falar ao telefone ou pessoalmente, porque as mudanças valem para a ortografia e não para o modo de falar. Mas aí seria demais – exigir de um baiano a mesma pronúncia de um mineiro. É o mesmo que determina ao amigo de Cascais a falar como um lisboeta, ou a um angolano. Daí a sensibilidade cultural da reforma, ela resguarda a antropologia do falar e destroça sem a mínima importância a estética da grafia e o seu mundo cultural.

Esses intelectuais da língua portuguesa provocaram um grande avanço na globalização do escrever português, estreitaram os laços e ampliaram os conflitos provenientes da dubiedade das palavras sem acento; para que não é para. Uma outra contribuição foi a queda do trema, por exemplo, ao se grafar linguiça. Foi uma decisão impactante, inclusive deve-se pesquisar as repercussões no dia-a-dia do trabalhador em educação e, principalmente, o impacto provocado na indústria dessa iguaria.

Evódio não é da época em que se escrevia farmácia (ph), mas se escrevia “ele” com acento agudo no primeiro “e”, que, não se acentua mais; no entanto sobreviverá às novas regras ortográficas. Bom, o que representa o fim do trema, do hífen e dos acentos agudos e circunflexos; em algumas palavras? Nada. Não muda em nada no grau de dificuldade de compreensão ao se ler em português de Angola ou de Portugal. Por outro lado, é um acordo sem consenso, fizeram à revelia dos países de língua portuguesa na África e na Ásia; não sei se lá eles terão o mesmo cuidado que querem que tenhamos por essas bandas de Pedro Álvares Cabral.

Começamos o ano com grafia nova com velhos hábitos, fazem-se os acordos para depois debatê-los e se arrependerem.

(*) professor

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por