ARTICULISTAS

A força e o poder dos que nunca enterraram ninguém

Nascemos tão tenros e frágeis. Sob a proteção materna e paterna vamos ganhando corpo

Ricardo Cavalcante Motta
Publicado em 22/08/2015 às 18:36Atualizado em 16/12/2022 às 22:40
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Nascemos tão tenros e frágeis. Sob a proteção materna e paterna vamos ganhando corpo. Do medo do escuro e da fantasia de lendas, vamos nos fazendo até que aos poucos vai se  perdendo o medo. Até que, ao contrário, é a coragem que vai tomando corpo ao tempo que vamos crescendo. Cada qual com sua história, seu desenho, seu projeto.

Do engatinhar ao caminhar, do caminhar ao conversar, expressar, pensar, raciocinar, então cada um passa a querer existir por si e, para conquistar, passa a enfrentar. Na adolescência há a ocasião que nos sentimos mais fortes, ousados, atrevidos, como que nunca chegasse a hora de se encontrar a morte, própria ou dos nossos. É que geralmente aí, ainda pela pouca idade há, em regra, a família ainda completa. A maioria ainda não enfrentou diretamente a necessidade de lidar com as perdas fatais.

E assim,  ilusoriamente, vai se acreditando inatingível, insuperável, surgindo daí até mesmo uma invisível arrogância íntima decorrente da referida ilusão. Quando se crê, pela inexperiência, na capacidade de se manipular a vida, fora do acaso. Afinal, o acaso não existe por acaso. Tem sua razão pedagógica de ser, de alterar a pretensão de manipulação absoluta da vida. Muitos ficam aí, nesse estágio adolescente. Levam o sentimento pueril de que o mal só baterá na porta do vizinho.

Sinceramente, fico perplexo com a força e a coragem que geralmente têm aqueles que nunca enterraram ninguém.

Dormem sem o medo de algo mais. Não refletem na perspectiva do fim, do infortúnio, da perda. Gritam máximas.

Creem no viver infinitamente, como que o relógio da vida não tivesse a ironia silenciosa de caminhar lentamente, silenciosamente, perenemente. Não conhecem o peso e a dor daquele adeus imediato, ainda que possa não ser eterno.

Mas é o caminhar desse relógio que leva ao amadurecimento, ao encontro fatal com os limites do viver.

É que a vida nos ensina, e ela nos ensina sempre. Alguns mais rapidamente aprendem, outros apanham algo a mais. E vamos aos poucos necessariamente nos tornando verdadeiramente humanos, de sentimentos e atos, de gestos e palavras.

É a oportunidade que temos de valorizar tudo aquilo que de bom recebemos, para gozarmos do prazer passageiro e fugaz do viver, nesse maravilhoso mundo que o Universo permitiu acontecer, certos de que, seguramente, infortúnios virão.

Diante da dor, esvai-se a arrogância, esvai-se a vaidade, esvai-se a crença de se consolidar para sempre um poder.

É a oportunidade de se encontrar com a humildade e por ela encontrar a paz, tão necessária à sequência eterna.

Aqueles que guardavam em si a inocência da força e do poder  por nunca terem enterrado ninguém, um dia aprendem à força e pelo reger da vida sobre a fragilidade do ser. O diagnóstico de enfermidade grave também vem confrontar para obrigar a entender a grandeza divina na natureza, que tem como plano perenizar a alma e não um poder. Obriga a refletir, repensar conceitos, rever métodos, e arrepender em tempo de se aproveitar o viver, embora a duras penas, às vezes.

Cada um terá a sua dose do remédio, a sua medida de necessidade e de oportunidade.

Muitos, porém, insistem na cegueira, mas, no contexto, encontram a oportunidade de crescer.

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