ARTICULISTAS

A decadência da arte de furtar

Não estou pensando em Brasília, nem nas estripulias que têm acontecido por lá. Seria perder tempo

Padre Prata
Publicado em 30/07/2011 às 19:46Atualizado em 19/12/2022 às 23:06
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Não estou pensando em Brasília, nem nas estripulias que têm acontecido por lá. Seria perder tempo. O que andam fazendo nos mata de vergonha e, por uma questão de higiene, é melhor esquecer.

Estou pensando é nas aulas do Dr. Lúcio de Azevedo Mendonça, meu professor de literatura. Ele procurava dar-nos uma visão global sobre tempos e obras de nossos escritores, desde os primeiros até os de seu tempo, lá pela década de 30. É muito chão rodado. Foi dele que ouvi falar pela primeira vez num livro que levava o título acima: “A Arte de Furtar”.

O autor era, se bem me lembro, Manoel da Costa. (Se estiver errado, depois o Guido Bilharinho me corrige. Não tenho a cultura literária dele, muito menos a memória). O Professor Lúcio lia-nos trechos daquele livro, mostrando-nos a diferença de gramática e sintaxe. Era quase uma diversão. O autor, numa linguagem jocosa e de muito espírito, mostrava-nos que sempre houve corrupção nas altas classes. Corajosamente ia desnudando todas as classes, a nobreza, a burguesia, o clero, os militares. Só poupava Sua Majestade, o Senhor Dom João IV (?), o impoluto El-Rei de Portugal. Não era bobo de chegar até lá. A ladroagem era uma arte refinada e admirada. Dr. Lúcio nos cativava com alguns trechos lidos.

De repente veio-me a descoberta de que hoje é a mesma coisa. Nada mudou, só o nome dos bois. Furtar ainda é uma arte, embora os métodos sejam mais grosseiros e sem nenhuma inteligência. Virou epidemia. Generalizou-se, deixando de lado apenas Sua Majestade a Rainha e alguns de sua Corte. A violência abalou a arte. De Imperial, a “arte” tornou-se vulgar. Há sempre novos métodos, novos processos, novos truques. O que não falta nunca são os “inocentes” como cobaias.

Tudo isso que estou dizendo é para contar que fui vítima de dois golpes que salientam minha ignorância das novas situações.

Primeiro golpe. Na Avenida Guilherme Ferreira, um senhor se aproxima de mim: “Será que o senhor poderia trocar vinte reais para mim em duas de dez?” Tirei do bolso as duas notas. O artista, tranquilamente pegou as notas, virou as costas e, andando depressa, se mandou. Correr atrás? Nessa idade? Gritar “pega ladrão” no meio da rua? Nunca. Fiquei apenas 20 reais mais pobre.

Segundo golpe. Pediram-me por telefone se eu podia colaborar com 10 reais por mês com uma creche cujo nome me foi dado, bairro, rua e número. Cinco meses depois, resolvi visitar a tal creche. Não havia nenhuma creche naquela rua, nem o número naquele cartãozinho cor de rosa que eu assinava todos os meses. Sofri mais alguns. Outro dia conto.

(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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