Estimado leitor, João irá fazer 60 anos, em janeiro do próximo ano, e, desde os 10, trabalha de empregado como borracheiro, às margens da Via Dutra, rodovia que interliga a capital paulista à carioca.
Ao olharmos para ele, percebemos que a vida não lhe foi muito generosa. Nos dedos dos pés, há somente fragmentos de unhas, e suas mãos grossas evidenciam que o trabalho lhe foi apresentado muito cedo. Mas é no seu olhar profundamente triste que fica evidente sua condição de homem subjugado.
O ônibus em que eu viajava no último final de semana precisou trocar um dos pneus, e foi ele quem realizou o trabalho. Não sei se o estimado leitor tem a exata noção do que falo, mas realizar esse tipo de serviço em veículos pesados não é para qualquer um, dada a dificuldade da empreitada. Ao ser questionado se já não era hora de se aposentar e de descansar de um trabalho tão desgastante, João, abatido, diz não ter escolha. Ou trabalha ou trabalha.
Mudando um pouco de assunto, li recentemente que a prefeitura de uma cidade do Maranhão, Estado da família Sarney, está contratando professores para trabalharem na rede municipal de ensino. Os pretendentes deverão dedicar 40 horas semanais ao cargo e receberão por isso R$ 620,00, calculados os descontos. Recentemente, estreou uma campanha publicitária oficial cujo argumento principal sustenta a tese de que o professor é o principal responsável pela promoção do desenvolvimento e do bem-estar daqueles países em que a qualidade de vida é alta. Ao final da peça publicitária, então, o Governo Federal convida o telespectador a se tornar professor, convencido de que apelo maior não poderia existir.
Mudando novamente de assunto, não sei se o estimado leitor sabia, mas, no trânsito brasileiro, morrem 42 mil pessoas por ano (dados do site www.estradas.com.br). São 3.500 por mês, 116 por dia e, aproximadamente, cinco por hora. Enquanto você lê esse jornal de domingo, que é um pouco maior que os editados durante a semana, umas oito pessoas perderam suas vidas. Nesse quesito, nosso trânsito deixa muitas guerras no chinelo.
Permitam-me desviar mais uma vez o rumo da nossa conversa. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2007, o Brasil ainda tinha cerca de 2,5 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 15 anos que trabalhavam. Estes representam nada mais nada menos do que 6,6% do total de pessoas nessa faixa etária. Não há números precisos quanto a isso, mas sabemos que deste total de 2,5 milhões de crianças que estão trabalhando muitas são submetidas a condições animalescas de sobrevivência.
Ao pensar no João da borracharia, no “gratificante” salário oferecido ao professor no Maranhão, nas cinco pessoas que morrem por hora no nosso trânsito e nas 2,5 milhões de crianças que trabalham Brasil afora, fico me perguntando se realmente precisamos realizar uma Olimpíada ao custo de 30 bilhões de reais (segundo dados do jornal O Globo) e uma Copa do Mundo que nos fará gastar a “bagatela” de 25 bilhões. Juntos, os dois eventos consumirão 55 bilhões de reais. Estamos carecas de saber que boa parte desse dinheiro sairá dos cofres públicos, não é mesmo?
Perdoem-me os mais entusiasmados, mas, com certeza, temos outras prioridades.
(*) doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, da Facthus e da UFTM