ARTICULISTAS

Sonhar em caminhos de pedra

O amor foi imposto como eterno por muito tempo

Cláudia Feres Garcia
Publicado em 04/10/2013 às 20:38Atualizado em 19/12/2022 às 10:47
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O amor foi imposto como eterno por muito tempo, até a relativização com que o cantou Vinícius de Moraes – “que seja eterno enquanto dure”. Ninguém pode ser responsabilizado quando se apaga a chama da paixão. “Direi: não, nunca partirei e parto!” poetizou Paulo Cecílio. Atentando-se ao princípio da liberdade e respeito a autonomia da vontade, é de todo descabido obrigar pessoas que não mais se amam a preservar um vínculo inexistente. E assim cantou Chico Buarque em “Trocando em Miúdos”. A música fala, claramente, sobre uma separação. O personagem não se preocupa com os bens materiais, e sim com aqueles que mais marcaram a sua identidade na relaçã Neruda, Pixinguinha. Ele se preocupa com o coração dilacerado, acreditando que nunca fora nada importante para aquele que um dia amou. Nos versos finais dá a impressão que uma relação tira a identidade de cada um, na separação volta a ser uma pessoa, e não um par e suas influências... “... eu levo a carteira de identidade...”. Muitas vezes nos perdemos de nós mesmos num relacionamento, perdemos a própria identificação com o que somos, com o que gostamos. Concha Rousia, com propriedade versou: “... por não ter pés para correr até mim, por não ter braços pra me prender, para me reter como é a minha vontade, por não poder escrever, por não poder...” Talvez seja o caso de resgatarmos a palavra “amante”, expressão que melhor identifica a razão de as pessoas ficarem juntas: a liberdade de quererem estar juntas, até porque enseja a forma mais pura para a mantença de relacionamento afetivo, no qual não há fidelidade, obediência e assistência obrigatórias. Tudo isso, dado por amor, não deve durar senão enquanto puder durar esse amor. Nas páginas das vidas dos amantes nada se escreve com tinta indelével. Todos têm o direito de buscar a felicidade, que nem sempre está na manutenção de um relacionamento, mas, justamente, no seu fim, pois pode significar um grande e novo recomeço. Diante das dores de amor, Milton Nascimento disse “invento mais que a solidão me dá”. Queria eu ter a dignidade de um poeta que consegue sonhar em caminhos de pedra. Que bom, Lô Borges, que me traz o esperançar de “que os sonhos não envelhecem.”

(*) Professora universitária e agente literária

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