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Por que o advogado nem sempre consegue dizer sim ou não?

Já dizia meu pai, repassando os ensinamentos da vida, que para entender o que outro pensa, é preciso se colocar em seu lugar. O pano de fundo desse artigo remete a uma questão

Marcelo Guaritá Bento
Publicado em 19/11/2009 às 20:11Atualizado em 17/12/2022 às 05:35
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Já dizia meu pai, repassando os ensinamentos da vida, que para entender o que outro pensa, é preciso se colocar em seu lugar. O pano de fundo desse artigo remete a uma questão já bastante conhecida e debatida pelos operadores do direit a insegurança jurídica no Brasil. Contudo, aconteceu um fato que me obrigou a retomar a discussão por dever de consciência.

Há algum tempo recebi e-mail de um cliente com ares de decepção sobre as inúmeras mudanças nos posicionamentos recentes do STJ e do STF. O cliente, que hoje é muito mais um parceiro e amigo, não é formado em Direito, mas é autodidata e grande interessado no assunto.

A mensagem dele trouxe a necessidade de refletir sobre a profissão. Um de seus questionamentos me deixou sem resposta. Ele indagou: “De que adianta se aprofundar em determinado assunto, entender situações passadas e a partir dessas firmar conceitos, se tudo depois é alterado sem compromisso com os entendimentos anteriores?”.

O fato é que a questão é muito mais grave do que uma simples crise de consciência profissional. Representa não só um enorme obstáculo à credibilidade e ao exercício da profissão de uma classe inteira, mas também o fracasso de muitos negócios e expectativas empresariais. Reflete inclusive no chamado “custo Brasil”.

Imagine-se no lugar do empresário exportador que sempre considerou na margem de seu negócio, baseado na jurisprudência até pouco tempo atrás pacífica, as receitas decorrentes da utilização do crédito-prêmio de IPI. Esse empreendedor pode ter usado os créditos de sua empresa para pagar seus tributos e também os vendido a terceiros. Agora, provavelmente, além de ter de recolher o que foi compensado com os encargos da Selic, talvez também com multa, terá ainda de enfrentar os compradores do crédito que alienou. Pasmem, em muitos desses casos, a Secretaria da Receita Federal emitiu documentos aceitando formalmente a cessão e as compensações.

Ou então, imagine-se como aquele pequeno advogado que se juntou com os colegas da recém concluída faculdade para montar um escritório de advocacia. Ao formular suas propostas de honorários não levou em conta a Cofins, até porque existia súmula do STJ garantindo o não pagamento. Com os recentes julgamentos do STF, essa sociedade de advogados será chamada a pagar a conta, o que levará muitas a bancarrota.

 Há ainda outros vários exemplos de como o entendimento do Superior Tribunal de Justiça alterando a posição quanto ao início da contagem do prazo prescricional, quando ocorre a declaração de inconstitucionalidade de alguma norma. Vejamos pelo lado da sociedade civil. Existe uma lei que obriga o pagamento de determinado tributo. Ou seja, o cidadão está obrigado a pagar e assim o faz. Aí o Supremo Tribunal Federal decide que aquele tributo é inconstitucional. Não seria óbvio que só a partir daí começasse a contar o prazo para que o contribuinte recupere o que pagou indevidamente? Como ele saberia que poderia ver seu dinheiro restituído?

A jurisprudência é o principal guia dos profissionais do Direito. Não é o único, mas é o principal. Quando o norte oscila, o carro também é obrigado a mudar de direção.

São por essas circunstâncias que o advogado é, muitas vezes, visto na empresa como aquele que atrapalha os negócios. Ou que nunca consegue dizer sim ou não e se coloca em cima do muro. Ou pior, como o que não mantém sua palavra e muda de opinião de acordo com o momento. No caso do meu amigo cliente, fiquei com a sensação de que ele tem suas razões. Quem dera todos tivessem a consciência que ele desenvolveu ao se interessar pelo assunto.

(*) mestre em Direito do Estado, membro da ABDT (Academia Brasileira de Direito Tributário) e advogado do escritório Diamantino Advogados Associados

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