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Para além do próprio umbigo

Adoro uma fábula que conta a história de um rato que, ao espiar pelo buraco da sua morada

Márcia Moreno Campos
Publicado em 12/07/2015 às 13:14Atualizado em 16/12/2022 às 23:20
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Adoro uma fábula que conta a história de um rato que, ao espiar pelo buraco da sua morada, vê o dono da casa mostrar para a esposa que acabara de comprar uma ratoeira. Apavorado, ele corre para contar para a galinha, que, numa atitude “nem aí, não é comigo”, continua a ciscar no terreiro. Desesperado por ajuda, narra a novidade para a vaca, que dá de ombros e volta a pastar. Vendo-se então obrigado a sofrer sozinho pela indiferença dos outros ao seu iminente problema, conforma-se, e fica a esperar pelo pior. Ocorre que a mulher do dono da casa, ao se levantar durante a noite, não vê a ratoeira e é atingida por ela. Acometida de uma grave infecção, adoece, e os vizinhos recomendam uma canja de galinha. Sacrificada a galinha e a mulher continuando enfraquecida, é a vez de matar a vaca para dar carne à doente. Moral da história: o que hoje não é problema seu, pode ser o seu fim num futuro próximo. Por que conto isso? Porque estamos vivendo uma época em que o individualismo supera em muito a ideia do coletivo. Defender seus próprios interesses passou a ser prioridade para a maioria dos seres humanos. Jogar lixo nas ruas traz a ilusão de que sua casa está limpa e a rua, que é de todos, não importa. Poluir o planeta não é problema individual, mas dos grandes líderes, então dane-se. Colocar som na maior altura com sua música preferida, via de regra, horrível, te satisfaz, então, azar de quem está incomodado. Agimos como se não houvesse amanhã. Como se nossos atos não tivessem consequências.

Sem solidariedade o mundo acaba. Em todos os campos é mister olhar além do próprio umbigo, sacrificando interesses em prol do todo. Ou não teremos mais mundo para tirar proveito. Cada dia mais se observa uma segregação de tarefas onde um não pode ajudar o outro. Em empresas, alega-se desvio de funções. Na vida, excesso de trabalho.

Na política, então, nem se fala. Interesses próprios superam qualquer noção de bem-comum. Por essas nossas bandas, viveu-se a ilusão de que um governo municipal, alinhado com o estadual e o federal, daria frutos para a cidade, uma prática retrógrada e que carece de comprovação. Faltou uma análise isenta, projetos políticos à parte. A realidade, assim como na fábula do rato, é que hoje temos o Hospital Dr. Hélio Angotti sem receber verbas para pagar fornecedores e vivendo no vermelho devido à incompetência do governo federal. O Corpo de Bombeiros tem recorrido à iniciativa privada porque o Estado está omisso. A tão sonhada planta de amônia corre sério risco de ser só isso mesmo, um sonho, e o gasoduto virou miragem. Será que não dava para prever isso? Estamos colhendo os frutos de uma vitória com gosto amargo de derrota. Nossos deputados e senadores votam sem muitas vezes nem saber justificar seu voto, a não ser, claro, porque o partido mandou ou os interesses próprios falaram mais alto. As alianças políticas antes impensadas, hoje, matam de vergonha a coerência.

Nesse mundo de “salve-se quem puder”, um dia seremos a galinha e a vaca, que, não se importando com o problema do rato, acabaram tendo suas vidas ceifadas por desinteresse total com o problema do outro.

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