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Padre Prata

Nas minhas pesquisas sobre a Geração 68 – nome pelo qual ficou conhecido o grupo estudantes, artistas, profissionais liberais, religiosos,

Mozart Lacerda Filho
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 17/12/2022 às 04:05
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Nas minhas pesquisas sobre a Geração 68 – nome pelo qual ficou conhecido o grupo estudantes, artistas, profissionais liberais, religiosos, operários, entre outros que lutaram contra a ditadura militar de 1964 – pude observar o quanto a generosidade lhe é um traço marcante.

Prova disso pude ter na semana passada quando fui procurado pelo padre Prata no colégio em que trabalho. Foi a primeira vez que nos falamos. Embora soubesse da sua participação nos movimentos de resistência que ocorreram aqui em Uberaba, por questões de prazo, não pude entrevistá-lo.

Mas agora estávamos frente a frente e confesso que, no início, fui tomado por forte emoção, levando-me a uma certa confusão nas palavras. Depois, com o passar do tempo, fui me acalmando, e nosso diálogo transcorreu normalmente.

Começamos falando da Uberaba no pós 1964, quando os militares, por força de um golpe civil-militar, chegaram ao poder. Pude lhe fazer algumas perguntas que já tinha em mente para quando esse encontro acontecesse (engraçado, de algum modo, eu sabia que, mais hora menos hora, nos encontraríamos). De tempos em tempos, nossa conversa era interrompida por vários de meus colegas professores que faziam questão de ir até ele e cumprimentá-lo.

Padre Prata, para quem não sabe, foi vítima de um Inquérito Policial Militar que envolvia também o Monsenhor Juvenal Arduini. Embora o Arcebispo Dom Alexandre Gonçalves do Amaral, autoridade importante na sociedade uberabense, tenha intercedido pelos dois, o IPM foi adiante.

Em 03 de junho de 1964, padre Prata e Monsenhor Juvenal foram convidados a se explicar junto aos órgãos de repressão da ditadura. Padre Prata era acusado de pregar a subversão na Faculdade de Filosofia da FISTA, de fazer reuniões secretas com estudantes e de, até mesmo, encomendar livros que faziam apologia ao socialismo. Quando deixaram-no falar, rebateu uma a uma as acusações, disse não ter medo de nenhuma represália e reafirmou seu compromisso de continuar pregando os ensinamentos de Cristo.

Depois de algumas outras incursões por assuntos variados, meu visitante presenteou-me com um exemplar do livro O Cristo do Povo, de Márcio Moreira Alves, editado pela editora Sabiá e datado de 1968. Trata-se de uma obra raríssima na qual o autor, ex-deputado e jornalista, fez um apanhado da perseguição à Igreja Católica pelos mecanismos repressores da ditadura militar.

Disse-me, o padre, que era uma obra muito importante e que, para minhas pesquisas, ela seria muito significativa. Sem dúvida será; até mesmo porque o livro traz importantes considerações acerca da participação de uberabenses no período pós-64.

Mas muito mais significativo foi o gesto de generosidade que padre Prata teve comigo ao compartilhar seus conhecimentos. Numa época em que as pessoas muito mais fogem uma das outras, alguns fazem questão de se aproximar. Atitudes assim explicam por que aquela geração era, de fato, especial. Além de lutarem pelos seus ideais de liberdade, sabiam repartir e deram à palavra doação muito mais do que um sentido retórico.

Sobre o conteúdo do livro, aguardem os próximos artigos.

(*) doutorando em História pela Unesp/Franca; professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira e da Facthus

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