Sou do tempo em que as famílias se sentavam em cadeiras na calçada, nas tardes de domingo
Sou do tempo em que as famílias se sentavam em cadeiras na calçada, nas tardes de domingo, para prosear sobre temas despretensiosos e aprazíveis. Os ventos sopravam o entardecer, trazendo a calmaria, preparando o espírito para o prefácio de uma nova semana.
Sou do tempo do almoço em família, momento sublime onde o alimento era compartilhado com a presença de todos os entes, após uma breve oração. As palavras do pai e da mãe eram esmeradas e despertavam a atenção dos filhos, que com os olhos vidrados, as duas mãos no queixo e cotovelos apoiados à mesa, admiravam cada história contada.
Sou do tempo das brincadeiras na rua, de puxar carrinho com barbante, do rolemã que descia desgovernado a ladeira, do futebol de golzinhos com um par de chinelos, do pique esconde até altas horas da noite, precedendo as rodas de prosa no cantinho escuro, onde lendas sobre assombração amedrontavam o sono dos mais temerosos.
Sou do tempo do civismo na escola, da honra de integrar um pavilhão da saudosa fanfarra, da obrigação de conhecer a letra do Hhino Nacional, executado todas as segundas-feiras, das filas por ordem de tamanho e do ansiado recreio, tão ligeiro que mal dava para ganhar cinco figurinhas no jogo de bafo.
Sou do tempo das músicas primorosas da bossa-nova, emolduradas por arranjos caprichosamente elaborados. Do tempo em que as letras faziam sentido e transmitiam algum legado para a sociedade. Dos instrumentos discretos, com um sortimento de sons incrivelmente leves e harmônicos.
Sou do tempo das cartas de amor, de letras manuscritas, vestidas de sensibilidade, tão aguardadas na caixinha dos Correios. As mãos tremiam e o coração acelerava, à medida que o envelope se descortinava e os mais belos sentimentos eram aflorados. Do tempo das serenatas, da espera na janela, nas noites frias de abril, sob o romantismo da lua alumiada.
Com o espírito inundado de nostalgia, me entrego aos versos da canção Tempo de Fé, de Lula Barbosa: “Tempo em que os violões despertavam paixões, na voz do cantador. E os moços teciam versos, palavras só de amor. Tempo passou tão depressa, que os moços e os versos ficaram pra trás, do outro lado do muro, dos sonhos e sabem que o tempo não volta jamais”.
(*) Professor e pesquisador da Universidade de Uberaba, chefe de Gabinete da Prefeitura de Uberaba