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Os pássaros e a vida

Tenho uma pequena piscina na minha casa. Não é dessas grandes, e é rasa, metro e meio apenas – qualquer apuro e este nadador fica em pé e sai triunfante.

João Gilberto Rodrigues da Cunha
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 17/12/2022 às 03:54
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 Tenho uma pequena piscina na minha casa. Não é dessas grandes, e é rasa, metro e meio apenas – qualquer apuro e este nadador fica em pé e sai triunfante. Agora, e de vantagem, refresca-me do calor e sustenta-me a ilusão de uma senectude esportiva e ativa. Depois e além, ela me informou coisas importantes da existência pessoal e coletiva. Calminha com a inveja, padre Prata – não são coisas de saúde pessoal, que poderiam ser-lhe úteis.

Acontece é que eu tenho um tempo livre ali na varanda e fico olhando e pensando no mundo que estamos vivendo. Por ali sofri as dores de Virlanea e de Eloá, e deste mundo da violência e desamor.

Acompanhei, com meu estado irônico, a Marta perder a "Brahma" – e a eleição em São Paulo – achincalhando moral, costumes e vida de seu adversário como se a dela fosse exemplo. Aliás, meu colega Zé Simão disse, na Folha, que Deus lhe deu o castigo justo – casou-se com um argentino! Mas deixa isso pra lá, estou me esquecendo da contemplação lírica da minha piscina. Acontece, meus camaradas, que eu descobri ali a imagem perfeita deste nosso mundo – e vou contar despertando invejas. De manhã a Cida e o Cláudio debulham na grama o pão duro sobrado da véspera. Aí desce aquela passarada em festa – pardais, rolinhas de fogo-pagou e de terra, pombas rolas e aquelas vadias das nossas ruas. É um festival da humanidade, os maiores e imponentes pisam e espantam os pequeninos, mostram que são os donos do pedaço e suas prendas. Tomam conta, e ainda agora tenho dois casais de pombas-rola fazendo seus ninhos na trepadeira e no pé de acerola.

Os pardais esperam, pegam o que sobrar, mas são esperançosos e acreditam no futuro – vão dormir nas outras ramagens ali perto, uma serenata bucólica no final da tarde e escurecer. Agora, e talvez de imitação com a gente humana (ou o contrário?) tenho um casal de bem-te-vis atrevidos, que estão tomando conta do terreiro. São corajosos e atrevidos, lá do muro dão um vôo rasante sobre a mesa de grama (não é de grana, gente, estou falando de pássaros!) espantam os fracos, cantam alto e até dão uma carreira em cima de frágeis pardais. Os atrevidos ainda dão um mergulho superficial na piscina, decolam e vão contar vantagem em cima do muro. Um pardal metido a besta resolveu mostrar coragem e também mergulhou. Coitado, sua força e importância eram fracas, afogou-se e o Cláudio tirou o defuntinho com uma peneira.

Olhem com a imaginação, e concordem comig aquela piscininha e seus habitantes são a imagem das nossas vidas e do nosso povo. Uns fortes mandando e desrespeitando, os fracos obedecendo, quem se insurge morre afogado, a comida grande é pros maiorais, os pequenos ficam com os restos. Agora, em observação grátis e continuada, apareceu lá um tucano, por enquanto pousando e ambicionando lá da casa do vizinho. Deve estar mal intencionado, vou observá-lo. Aliás, e só para desarmar maliciosos, este tucano nada tem a ver com partido político. Pássaros existem em todos os partidos e na vida real. Uma pena nós não termos uma varanda para ficar observando-os na luta pela piscina e comedorias da vida!

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