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Os marginais

É tempo de Natal e escrever deve ser festivo, acolhedor, a felicidade dos anjos e a paz na terra. Sinto que a humanidade espera e anseia por momentos de descontração

João Gilberto Rodrigues da Cunha
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 17/12/2022 às 04:17
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É tempo de Natal e escrever deve ser festivo, acolhedor, a felicidade dos anjos e a paz na terra. Sinto que a humanidade espera e anseia por momentos de descontração, de alegria, e o Natal é esta promessa. Tudo bem, se puder, vou escrever ainda sobre a harmonia e nossos sonhos de Papai Noel com jingle bells e presentes. Hoje, para não ter que ficar curtindo sofrimentos alheios e meus, conto-lhes um drama de repetição e agravamento cada vez maior, para compartilhar com meus leitores meu sofrer. Conto-lhes. Tenho um ambulatório noturno, semanal e filantrópico, na igrejinha de Nossa Senhora Aparecida – isto há uns 15 anos, gerenciado pela Santa Maria Inês. Nesse tempo, venho verificando o aumento progressivo dos doentes psicossomáticos, um luxo antigo dos ricos que, agora, investem na pobreza. Seria cômico, se não fosse triste, ver a gorda Valdete chorar agora, quando antes era passista alegre da nossa Escola. Chora e deve chorar, porque seu filho foi assassinado e sua pressão bateu nos vinte, apesar da medicação. Na origem da sua morte está o drama social e progressivo que mancha as cores do Natal: drogas. Pois é, minha gente, o grande motor da atual criminalidade está firme e assentado na liberalidade do uso das drogas. Antes, elas custavam caro e eram raras. Agora, uma pedrinha de crack custa cinco reais – ou seja, qualquer um, pobre ou rico, pode ter-lhe acesso permanente. Os ricos usam drogas mais sofisticadas e caras; a minha pobreza vai de crack mesmo. A moçada viciada gasta do salário magro, mas logo deixa de trabalhar e busca a facilidade dos roubos miúdos, da exploração das mães chorosas, o roubo doméstico, vendendo seu celular, seu rádio, seu colarzinho falso, até seu sapato e meias – tudo por crack e sonhos. É claro que a desgraça doméstica vira câncer social, os usuários e os traficantes, todos se envolvem, a polícia não tem como evitar ou atalhar, não existem leis, prisões ou retiros religiosos e psicológicos para seu tratamento. O bolo maligno vai crescendo, destrói vidas e lares, invade e contamina toda a sociedade. Já não existem famílias vacinadas ou isentas. Os tratamentos psicológicos de auto-ajuda e seus pregadores espirituais duram pouco tempo, as recaídas são constantes e quase obrigatórias pelo retorno livre à sociedade – e seus colegas traficantes. Vejo, assisto e assin sem uma legislação rígida, exercícios policiais adequados, metodologia legal em isolamentos prisionais de longo prazo e desmame – nada será resolvido. O drogado não é criminoso, mas pode ser ou será o que já é: perigo e fonte social de violência e de morte. Leiam os jornais, vejam na TV: desde já a maioria das malignidades tem na base a droga. Ela destrói, acaba e mata, não apenas o drogado, mas muitos pais e mães e outros inocentes em seu caminho. Sou descrente dos tratamentos suaves e benignos, o fracasso atual. O drogado é inicialmente criminoso de si mesmo, mas, em seguida, câncer progressivo e fatal para todos. Sem esta atitude rígida, legal e duradoura de sua exclusão social — prolongada o quanto for preciso — ele não terá vez, e nos fará a todos fracassados e infelizes. Se isso acontecer, talvez eu volte a crer que é possível um Feliz Natal, e amém!

(*) Médico e pecuarista

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