Há muitos anos este cronista vem escrevendo crônicas. Sei que muita gente lê
Há muitos anos este cronista vem escrevendo crônicas. Sei que muita gente lê os meus escritos, porque até desconhecidos – ou esquecidos – me cumprimentam ali no hospital, ou no comprar pão da manhã, ou na janela do carro quando paramos no sinal de trânsito. Considero-me um cronista eclético – lá de cima o Dino e o Orides, meus companheiros na vida, engolem esta palavra pensando que deve ser nome feio – mas eles já estão em boa companhia, alguém vai lhes explicar o significado. Hoje, nesta crônica de finalmências e de 85 anos resolvi escrever um testamento para meus companheiros de idade e para aqueles que estão zelando por nós. Afinal, todos os jovens de 70 para baixo acham que nós somos gagás. Nesta noite de hoje vou cear com minha família e um bom monte de amigos e sobreviventes – e esta crônica penso que pode ser meu testamento, para todos. De início quero defender a minha classe de idade: velho não é necessariamente um coitado esclerosado. Apenas, e com frequência, é um ser humano que passou muitos anos de vida, os tempos mudaram e os amigos já partiram, os presentes discutem e duvidam do que ele pensa ou fala... ou escreve. Toda a tribo dos trabalhantes tem no bolso uma máquina quadradinha onde vão dia inteiro apertando teclas de informação ou arquivo. O velho, coitado, não dá conta de aprender computação, pensa que o que sente e sabe está na sua cabeça – e nos jovens a cabeça está nas máquinas. Entrarei esta noite na ceia e festa da minha família, dos jovens colegas e amigos restantes. Este velho aqui entrará pensando na “ceia dos cardeais”, uma página da literatura que ninguém lembra, talvez o Randolfinho que ainda lê estas coisas – ou o padre Prata, que estará de cama. A enorme maioria vai – se possível – tirar a sua maquininha do bolso e apertar um quadradinho a ver que ceia é esta. Esqueçam, meus amigos mais jovens. O velho está apenas cansado e quer paz – pelo amor de Deus. Porém, não é fácil nos dias e na humanidade atual. Se o velho não tem nada... ninguém lhe quer. Se o velho tem... é pior. Não me perguntem, porque meu espaço acabou...