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A doce paz da paciência

Dizem que a velhice é a idade da sabedoria. Não é totalmente uma verdade...

Padre Prata
Publicado em 05/06/2016 às 10:31Atualizado em 16/12/2022 às 18:36
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Dizem que a velhice é a idade da sabedoria. Não é totalmente uma verdade, mas é um consolo. É verdade que o idoso possa ter mais experiência de vida. Durante sua longa caminhada cometeu acertos e erros. Tomou decisões certas e decisões erradas. Por isso, tem vivência que lhe permite orientar os que caminham. Se isto for sabedoria, então os idosos são sábios, o que não se confunde com cultura.

Por outro lado, o idoso exige dos que o rodeiam uma dose maior de paciência. “Paciência” é um termo de origem latina, de “patiens”, que significa sofredor. O idoso é mais um sofredor do que um sábio. Seu raciocínio é mais lento, a memória perde sua presteza, seus passos são inseguros e seu equilíbrio constitui sempre um perigo. Velho não pode cair. E, o que é pior, seu organismo vai se deteriorando progressivamente. Cada dia dói uma coisa. Daí a necessidade de compreensão dos mais jovens para não negar a eles proteção e carinho. De um modo geral, são afetivamente carentes, acham-se relegados a um canto, sua conversa é só sobre coisas antigas, não suportam o jeito de viver dos jovens. Enfim, constituem um problema que só a compaixão supera.

Há dias, na fila de uma casa lotérica, fiquei logo atrás de um velhinho, trêmulo e lacrimejante. Fila para idosos não anda. Não é privilégio, é castigo. Pois bem, o idosinho chegou ao guichê e pediu um cartão da Lotomania. Como se não houvesse mais ninguém na fila, ele começou a fazer seu joguinho. Tranquilo. Depois de uns 10 minutos, o pessoal da fila começou a reclamar. Resolvi apelar: “Será que o senhor enquanto pensa, poderia eu fazer meu jogo na sua frente?”. “Precisa não, já estou quase no fim. Será que o senhor não poderia me dar um número de sorte?” “Tenho, sim, 548.” “Mas 548 não tem aqui, só tem dezena no quadradinho.” “Então o senhor divide por 39.” Foi então que a consciência me doeu. Doeu fundo. Estava tomando uma atitude anticristã. Mudei o rum “Olhe, meu amigo, o 7 é um bom número. Sua idade também pode ser”. “É verdade, tenho 84 anos, mas ainda estou bom.” Não disse em quê. Também não perguntei. Acabamos jogando juntos. Um santo idosinho.

Passei um dia chateado. Fui descaridoso. Fui impaciente. Um péssimo cristão. Gostaria de encontrar aquele velhinho de novo. Perguntar se ganhou. Dar um abraço nele. O que ele queria naquela fila era carinho, solidariedade. Queria um amigo. E foi tudo isso que neguei. Como teria dito meu pai: “Você deve ter perdido uns 548 pontos lá na contabilidade de São Pedro”...

Os idosos andam sempre devagarzinho e são complicados. Por isso é que criaram uma fila só para eles. Pra mim também.

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