ARTICULISTAS

A vida do outro é sagrada

Leio em algum lugar que escrever, hoje, não é mais um prazer estético, é uma profissão

Padre Prata
Publicado em 07/06/2015 às 12:29Atualizado em 16/12/2022 às 23:48
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Leio em algum lugar que escrever, hoje, não é mais um prazer estético, é uma profissão. Escreve-se para ganhar dinheiro. Escrever era a profissão de Jorge Amado, como é a profissão de muita gente que escreve para sobreviver. Coelho Neto, por exemplo.

Não sei bem se foi sempre assim. O que sei é que, em tempos outros, os escritores morriam na miséria, a começar por Cervantes, autor de um dos mais famosos romances já publicados, o Dom Quixote. Dizem que o verdadeiro escritor escreve por necessidade estética, o que não acrescenta nada no ativo de um orçamento. Escrever era expressar com palavras uma riqueza interior. Por isso é que alguém já disse: “Se eu não escrever, eu morro.”

Entre os escritores há os mercenários. Apostam na quantidade. Não escrevem, desovam. Publicam um livro atrás de outro. Impulso estético? Nada disso. Visam apenas o lucro. Correm atrás dos filões do ouro. Está na moda escrever sobre autoajuda? Então vamos lá. Alguns ficam até famosos. Tornam-se campeões de bilheteria. São disputados pelas editoras. Nas prateleiras das livrarias seus livros contam-se aos metros. São ninhadas. Repetem sempre os mesmos assuntos, os mesmos chavões, os mesmos conselhos, as mesmas orientações.

Outros descobriram o filão das biografias. Exploram a vida de personagens da história, mergulham nos porões da vida alheia e difamam sem remorsos. Nossas livrarias estão repletas dessas publicações. Vida de Cleópatra, de Leonardo da Vinci, de Adriano, de Santos Dumont, de Washington, de Abraão, de Moisés, de gente de outrora e de gente de hoje. O que importa é o lucro.

Num desses dias, passando os olhos nas estantes de uma de nossas livrarias, assustei-me com o título de um desses livros que exploram os segredos da vida do outr “A Vida Sexual dos Papas”. A curiosidade me venceu. Abri o livro. Um dos capítulos trazia o título de “A Vida Sexual do Papa João Paulo II”. Estava numa dessas livrarias em que a gente pode abrir os livros e ler o que trazem de novo, sem que se aproxime de nós aquela mocinha para perguntar se a gente deseja alguma coisa. Bem, o fato foi que eu abri o livro e li. O autor contava que o Papa, antes de ingressar no Seminário, trabalhava num conjunto teatral e gostava de uma jovem com a qual contracenava. Segundo o autor, era essa a vida sexual dele. Ora, que mal tem ter gostado de uma jovem? Estranho seria se tivesse gostado de “um” jovem. Benza Deus! Todo jovem normal, num dia qualquer, já gostou de uma jovem. Se o Papa gostou de “uma” jovem, isso apenas significa que ele, o futuro Papa, era um jovem sadio, normal. Mais nada.

É assim o mundo em que vivemos. Todos nós corremos o risco de ter nossas vidas devassadas por essa gente sem escrúpulos, gente que garimpa na vida dos outros à procura de sensacionalismo para ganhar dinheiro com a fraqueza alheia. A vida particular dos outros é exclusivamente dos outros, não está à disposição desses abutres que infestam nossos livros e nossos jornais. 

(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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