ARTICULISTAS

Sou negro mesmo, sim sinhô!

Lembro-me até hoje de uma tarde chuvosa, em meados de outubro de 2006

Larissa Alves Correa
Publicado em 27/08/2018 às 21:16Atualizado em 17/12/2022 às 12:55
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Lembro-me até hoje de uma tarde chuvosa, em meados de outubro de 2006. Eu cursava o 8° ano do Ensino Fundamental e uma coleguinha de sala de pele negra escreveu uma cartinha e foi entregá-la a outro coleguinha, por quem se apaixonara. A decepção foi única, para ela e pra mim, que naquela situação não tinha nada a ver, mas que senti muito por vê-la chorar. Acontece que ela fez uma cartinha de amor e, ao se direcionar ao garoto para entregar, ele respondeu em alto e bom tom: “espero que seja mensageira de alguém. Não gosto de menina preta como você”. 

Confesso que nunca vi ninguém chorar como essa colega e nem me compadeci tanto. Ela era alegre, educada, sutil, gentil... Uma verdadeira princesa. Que diabos a cor da pele dela influenciaria na forma como iria ser amada? Eu a vi perder o brilho. Tudo o que fazia era se questionar se era certo ter o cabelo crespo, a pele escura e os traços largos.

A autoestima e aceitação de sua própria essência morreram ali. Ela levou muito tempo pra se reerguer e acreditar em novas possibilidades de novo. E eu fico me questionando, desde muito nova, quem é que tem coragem de ensinar uma criança a ser assim? Como conseguem fazer uma criança com apenas 13 anos ser tão audaciosa e má?

Muitos usam como argumento para alguns acontecimentos que “o racismo começa pelos próprios negros”. Mas vocês já viveram situações onde não foram aceitos apenas pela cor da sua pele? Eles não sofrem de racismo para consigo mesmo. Eles sofrem de falta de aceitação mesmo, e nós somos os culpados. Ainda que não pratiquemos o ato racista, achamos que isso normal. Rimos de uma piada sem graça e não percebemos que, assim, damos força ao agressor.

Será que temos noção da pequenez que tem um tom de pele? É muito pequeno pra ter força suficiente pra impedir uma pessoa de ser amada, de ser querida, de ser contratada ou até mesmo promovida. Muitas meninas foram rejeitadas e humilhadas durante meu período no ensino regular; presenciei situações desse tipo por diversas vezes. Hoje elas estão por aí, dando show de beleza, simpatia, superação, coragem e, por essa razão, eu gostaria de dizer a elas que a luta não é só delas. Não é só das negras, não. A luta é de todos. Nós somos a voz que muitas adolescentes precisam.

Wynne? Mirelle? (nome das personagens supracitadas) Vocês serão forte referência na vida delas. E eu espero, de verdade, que consigamos conscientizar sempre o máximo de pessoas para que daqui a vinte anos eu não leia nenhum relato parecido com esse em alguma página de jornal. Meninas pretas que foram rejeitadas? Presente! 

(*) Estudante do 1° Período do curso de Letras/Espanhol na UFTM

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