FALANDO SÉRIO

A ERA DA EDUCAÇÃO TERCEIRIZADA

Se a desigualdade social é o principal fator gerador do crime e da violência na sociedade e, segundo dados (Leia mais...)

Wellington Cardoso
François Ramos
Publicado em 07/01/2015 às 10:21Atualizado em 17/12/2022 às 01:56
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Redator InterinFrançois Ramos

Se a desigualdade social é o principal fator gerador do crime e da violência na sociedade contemporânea e, segundo dados oficiais, não existe mais miséria no país por que temos a impressão de que o número de marginais e pessoas distantes de valores como a honestidade, a austeridade, o respeito pelo próximo e pelas leis, simplesmente não para de crescer?

Ainda criança morei no bairro Tutunas. Era um local rotulado como marginal por boa parte da população dos outros bairros de Uberaba, mas fora as brigas motivadas por namoradas pouca inquietação era registrada. Havia ali um posto policial cravado próximo à Escola Estadual Gabriel Totti que devia evitar as brigas (nos anos 80, pasmem... ainda eram apenas de meninos) na saída do ginásio e realizar a contenção das discussões domésticas.

Conhecíamos todos os “maus elementos” do bairro, que se limitavam a três ou quatro “maconheiros”, que ninguém nunca viu usar, apenas suspeitava em razão dos olhos vermelhos e alguma rebeldia contra as regras, e dois “ladrões de galinha”. A maioria absoluta de moradores do Tutunas era de assalariados que sobreviviam com muita dificuldade. Não tenho dúvidas de que a pobreza era maior, mesmo assim, praticamente não existia ali crime e outras formas de violência.

Se a distribuição de renda melhorou, por que a marginalidade simplesmente não pode mais ser computada? Temos a impressão de que em breve o número de bandidos vai superar o número de trabalhadores honestos e escravizá-los definitivamente, pois, presos atrás de muros e grades já estamos.

A impunidade presente no Brasil do século XXI é um dos grandes fatores de motivação. O desarmamento da população, que agora não pode se defender e não é defendida pelo Estado, também contribui. Afinal, “bater em cachorro morto é fácil”. Mas não tenho dúvida de que a terceirização da Educação de nossos filhos tem papel determinante neste processo.

De babá e outros empregados domésticos ao professor, os pais fazem questão de repassar a responsabilidade de educar seus filhos. Não lhes ensinam valores fundamentais, não refletem o exemplo do valor da família e muito menos de qualidades imprescindíveis ao desenvolvimento das crianças, como o trabalho digno, os limites e o uso responsável da liberdade. Pelo contrário, passam tão pouco tempo com eles que os “compensam” pela falta comprando-os com mimos e deixando-os fazer o que quiserem, sem qualquer restrição.

A educação consistente e que prepara para a vida é uma obrigação da família, da sociedade e da escola. Não somente desta última. É incrível como as coisas mudaram, e para pior. Tempo sobrando os pais nunca tiveram. O meu avô, que foi quem me criou, trabalhava manhã, tarde e noite. A minha avó saía para vender Avon e ajudar na manutenção do lar. Contudo, sempre havia espaço para uma última conversa antes de saírem. Não faltavam instruções claras de minhas responsabilidades e limites no período em que estaria só em casa.

Como registrou Platão, “não deverão gerar filhos quem não quer dar-se ao trabalho de criá-los e educá-los”. E o Estado, por intermédio de políticas públicas efetivas, deveria concretizar esta diretriz como um princípio, não estimular a fragmentação do conceito de família, corroer suas bases e incentivar sua erradicação definitiva. Pois, todo ser humano nasce perfeito, sem se preocupar com o que vai ser no futuro, com olhar de ternura, carinho e amor pelos outros. O que inicia o processo de distorção da pessoa que cada um vai se tornar é justamente a ausência de uma família que o auxilie a ser o mestre de si mesmo.

Outro dia, quando disse a amigos que minha filha não irá para a escola antes dos quatro anos de idade quase apanhei em uma roda de mães. O discurso era de que eu e minha esposa estaríamos fazendo um grande mal a ela, prejudicando sua formação. Esqueceram-se de que o nome dado a essa fase institucional é “maternal”. Então, aquela mãe que dispõe de tempo e amor suficiente não deve fazer o seu trabalho e educar sua filha? Deve substabelecer sem razão? É fato que muitos não têm opção, mas existem muitos que simplesmente preferem não tê-la.

Afinal, se o filho briga na escola, furta objetos de um coleguinha, depreda patrimônio público ou privado, cospe nas regras e bate até mesmo em seus pais, este novo conceito de educação permite dizer que “a culpa é da escola, do professor”. É bem mais cômodo assim. Entretanto, temos nos esquecido de que toda conquista é fruto do trabalho árduo de cada um. E se um filho carinhoso, educado e preparado para a vida é um sonho maravilhoso, fazer o nosso papel como pais é um requisito para que ele se efetive. Caso contrário, pode emergir o pesadelo de que tanto temos med crime, drogas e violência.

Sim, tudo isso está diretamente associado à vida em lares desestruturados, onde não se sabe quem é o pai ou a mãe, se é que os dois estão por ali. Lares em que a promiscuidade adolescente e a sensualização precoce são estimuladas e vistas como algo “bonitinho”. Casas nas quais se criam pessoas sem valores e referências de um ideal a ser perseguido.

O que se pretende com a coluna de hoje não é construir um senso de julgamento do próximo, mas um despertar para a necessidade de refletir sobre a necessidade de nos melhorarmos enquanto seres humanos e assumirmos as obrigações que nos pertencem. A educação dos filhos não é algo para ser terceirizado. Talvez possa ser compartilhada se o ambiente for favorável. Mas é preciso ter sempre em mente que a construção do mundo que desejamos passa necessariamente pelo resgate de valores perdidos ao longo das últimas três décadas. E neste processo ser pai e mãe, no sentido literal e filosófico dos termos, é imprescindível.

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