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O dever de prestar contas da verba alimentar

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 05/05/2019 às 23:36Atualizado em 17/12/2022 às 20:32
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O incômodo que causa quando são lançados argumentos contra o texto (expresso) da lei e que acabam por prosperar e culminar em uma decisão injusta é muito grande.

É de sabença geral e aqui já comentado, a algazarra que se faz com o direito de exigir contas da verba alimentar; e este assunto volta à tona quando analisando alguns julgados da Corte de Cassação e verifica-se que são heterogêneos e assim acabam por não pacificar o entendimento jurisprudencial.

Pois bem, em que pese os argumentos ali expostos, quer seja a favor ou contra, não podemos olvidar que a legislação brasileira clara e expressamente concede ao genitor que não detém a guarda de seu filho o direito de supervisionar os interesses destes, se tornado parte legítima para propor a ação de prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.

Desta forma, o argumento de que a ação de prestação de contas, hoje denominada ação de exigir contas na nova lei processual, não é possível porque seria compelir o administrador da pensão a demonstrar, em juízo, contabilmente a destinação da pensão, transformando em uma dimensão econômica a relação jurídica em que pende entre familiares, não merece prosperar, simplesmente porque, em verdade quando se ajuíza a ação de alimentos ou qualquer outra com o objetivo de encontrar o valor a ser pago a título de pensão alimentícia é também obtido o valor através de cálculos matemáticos .

Portanto, fazer cálculos matemáticos não maculam e muito menos esgaçam a relação filial, muito pelo contrário, fortalece a lógica jurídica e o aprendizado de que você na Vida sopesa o tempo todo.

Ainda, aqueles que vociferam de que objetivo da ação de exigir contas é a existência de saldo em favor de quaisquer das partes ou mesmo, a ausência de direito de crédito ou débito entre os litigantes, por isso não se adequa aos alimentos, uma vez que estes são irrepetíveis, não resiste a uma simples analise. Porque a ação é proposta contra o administrador dos alimentos, ou seja, aquele genitor que recebe a pensão alimentícia e dela faz uso, supostamente, em benefício do filho. Portanto, se encontrado um saldo credor, em favor do autor da ação de exigir contas, o devedor será o administrador e não o alimentando.

A sentença atingirá o patrimônio do administrador, restando intocável a pensão já paga.

E realmente apenas pela forma contábil, através da apresentação de receitas e despesas, que se torna possível aferir a verdadeira utilização da pensão alimentícia, o que não significa de modo algum desrespeito ao sentimento filial existente. Não passando de sofisma tal argumento.

Acrescendo ao fato de que, a relação onde existe uma interposta pessoa, como administrador de dinheiro, representando a pessoa titular do crédito nasce a possibilidade de se exigir contas, a exemplo da tutela e da curatela, quando cessadas.

Destarte, o alimentante tem interesse juridicamente protegido para obter uma prestação de contas do administrador da verba alimentar, pois a lei lhe assegura fiscalizar e tutelar os interesses do próprio filho, para que realmente saiba qual é a destinação que está sendo dada a pensão alimentar recebida, visando ao final coibir a malversação do dinheiro recebido.

E destaca-se que, muitos dos julgados que ainda servem de embasamento para erroneamente concluir que descabe a ação de prestação de contas, foram concluídos antes da alteração legal da guarda compartilhada, ou seja: antes de 22 de dezembro de 2014; logo, em uma época que não existia a expressa previsão legal de possibilitar o genitor responsável pelo pagamento da pensão alimentícia exigir as contas da sua utilização.

Finalmente, atente-se ao fato de que a ação de prestação de contas é de natureza pessoal, portanto o prazo prescricional é de dez anos, devendo o administrador da pensão acautelar-se e guardar os comprovantes dos gastos para que uma vez exigidos possa provar documentalmente.

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária. E-mail: [email protected]

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