ARTICULISTAS

No exercício do direito de discordar.

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 31/03/2019 às 22:45Atualizado em 17/12/2022 às 19:32
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Uma questão sobre alimentos atormentou esta semana aos que militam com o direito de família, em razão do resultado de um julgado em nossa Corte Superior, que desavisadamente, pode até se tornar um padrão decisório ou quiça um leading case do direito em recebê-los.

O Superior Tribunal de Justiça decidindo a respeito da legitimidade de quem iria prosseguir na execução de alimentos (ajuizada ainda sob a égide do Código de Processo Civil revogado) vez que o titular faleceu no decorrer da ação e haviam parceladas já vencidas.

Pois bem, em um relatório minucioso de detalhes dos fatos cotidianos e processuais ocorridos nos autos, com datas e descrições comprovadas por documentos, confere a ocorrência do indeferimento da extinção do processo, requerida pelo executado em razão do falecimento do credor e da natureza do crédito. Inconformado o devedor interpôs recurso ao Tribunal, que também confirmou a decisão da Instância Inferior, determinando a continuidade da ação.

Ao nosso sentir, pautando pela razoabilidade e lógica jurídica o Tribunal entendeu, com acerto reconhecido, que como são prestações vencidas anteriormente ao falecimento do credor; e, portanto, já constituídas estas são transmissíveis aos herdeiros, devendo a representante legal fazer a necessária e devida habilitação nos autos para a continuidade da execução.

Para uma melhor compreensão da matéria a primeira distinção que se deve fazer é da natureza do direito aos alimentos, ainda não formados como título, e do direito a receber estes alimentos quando já constituído o título e este já estiver periodicamente vencido.

O primeiro é intransmissível, não comporta cessão e nem compensação. Agora, quando já transformado em título e já vencível na data do ajuizamento há uma modificação da natureza da parcela alimentar, perdendo algumas destas características, sob pena de total desmerecimento da cártula judicial.

Prossegue então a saga quanto a confusão feita e a temeridade que pode assombrar os créditos alimentares, daqui para frente, quando em cumprimento do débito ocorrer o falecimento do credor...

Ofertado a Corte Superior para resolver o imbróglio sobre a continuidade ou não da ação, através da representante legal do credor alimentário falecido no decorrer da ação.

Entendimento diverso dos Tribunais, a Corte firmou que a natureza jurídica dos alimentos não transmuda mesmo que vencidos, portanto, em razão da intransmissibilidade não se pode permitir a continuidade da ação para recebimento dos alimentos mesmo que já vencidos pela representante legal do falecido. Integrando assim o patrimônio moral do alimentando e não o seu patrimônio econômico, segue o voto do julgador.

Ousando discordar e tendo como pares civilistas abalizados e baseando em doutrinas de renomados, sobreleva ressaltar a distinção precípua que se deve fazer com relação ao direito aos alimentos e do direito de receber estes alimentos, nas modalidades processuais existentes.

Uma coisa é exigir alimentos, processo de conhecimento; outra coisa é cobrar os alimentos que já foram fixados, que já estão cartularizados, quer seja judicial ou extrajudicialmente, e vencidos. Posto que, quando já formados como títulos executivos as características de outrora e algumas impossibilidades não mais existem, sob pena de desmerecer a força executiva do título, passando a ser exigível quando plenamente vencidos, pelos sucessores do credor.

Como prestação periódica que é, com o vencimento, o que exige estar o alimentando vivo, este crédito pode ser cobrado por seu sucessor, a título de crédito patrimonial, pois já passou a integrar o patrimônio jurídico do alimentando.

Não se pode acreditar na confusão feita nos fundamentos determinantes deste julgado, visto que certamente irá influenciar aos posteriores até que não fique esclarecida e resolvida, o que vislumbra uma temeridade!

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária. E-mail: [email protected]

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