ARTICULISTAS

A imperatividade da Lei X a permissividades do Julgador

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 01/10/2018 às 07:31Atualizado em 17/12/2022 às 13:59
Compartilhar

Aqueles de formação legalista, onde a referência para qualquer dúvida ou solução jurídica se baseia na norma padecem em tempos de dominação da jurisprudência, quando esta contraria a ordem legal. E s.m.j., me incluo no grupo dos que estão a questionar/suportar esta modificação.

Em um caso interessante, reapreciando uma decisão do Tribunal Mineiro, que havia julgado improcedente a confirmação de um testamento particular, ao fundamento de que é vício formal que impede a aprovação do testamento a ausência de leitura da disposição de última vontade à terceira testemunha, o Superior Tribunal entendeu por bem em aceitar a ausência deste requisito formal, flexibilizando a formalidade exigida neste tipo de testamento, em razão de considerar vício menos grave e que não atinge a substância do ato de disposição.

Aos que acompanham os julgamentos no Superior Tribunal, sabe muito bem que a jurisprudência daquela Corte firmou, no sentido de que, visando conservar e fazer exequível a vontade do testador são flexibilizadas algumas exigências legais, quando não maculam o ato de disposição.

E considerando o exemplo acima citado como vício de menor gravidade, em razão do aspecto externo ao ato, não acarretariam a sua invalidade, diante da ausência de questionamento sobre a capacidade do testador e seu desejo de disposição.

A problemática não se encontra em utilizar o princípio da conservação dos negócios jurídicos para defender a validade e eficácia do ato, mas sim na flexibilização de regras de características extrínsecas – no caso o número de testemunhas.

Não reproduzido pela ementa, a solução judicial dada a questão apresentada foi em razão da falta de questionamento sobre o conteúdo do ato de disposição; porquanto, se houvesse qualquer objeção ao conteúdo e a prova de liberalidade deste conteúdo faltaria o testemunho suficiente, assim entendido como três, para a confirmação do testamento.

Já que não existe, na lei, exigência desnecessária e partindo deste pressuposto o legislador entendeu, que dado o conteúdo valorativo de transferência que o testamento pode conter, três é o número razoável de pessoas para testemunhar, confirmando, a disposição, dissipando qualquer dúvida que pudesse existir; uma vez que o testador não estaria, por obvio, ali para defender o seu desejo de liberalidade.

Assim, podemos suavizar e compreender o conteúdo do julgado quando flexibilizou, aceitando a existência de apenas duas testemunhas, uma vez que não houve no caso qualquer oposição quanto ao conteúdo da disposição.

E esta distinção é vital e primordial fazer, porque em razão da ausência de questionamento não fez falta a testemunha exigida pela lei.

Agora, caso tivesse ocorrido a impugnação ao texto do testamento, aí sim aquela testemunha faltante seria importante e macularia o ato.

A regra da exigência presencial das testemunhas ao ato e suas respectivas rubricas, bem como a leitura perante elas justifica-se pela importância do depoimento, se necessário for, confirmando toda a vontade do testador que ali não esta mais.

Por isto, todo o cuidado ao analisar a ementa de um julgado ou até mesmo o voto, para distinguir a postura do julgador e entender quando é permitido suavizar a exigência legal, não significando mácula à força imperativa da lei.

Dito isto, conclui-se que em razão de não haver nenhum motivo ou oposição quanto a vontade do testador, merece então que o Órgão Julgador flexibilize as regras impostas na legislação pertinente, sob pena de se tornar inexequível a disposição de última vontade ali exposta.

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil e professora universitária.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por