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Violência Insana

Uberaba vivenciou recentemente um crime que alcançou repercussão nacional...

Elias Abdalla Filho
Publicado em 29/08/2016 às 07:53Atualizado em 16/12/2022 às 17:32
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Uberaba vivenciou recentemente um crime que alcançou repercussão nacional. Um homicídio havia sido praticado há mais de um ano e o corpo da vítima havia sido enterrado nos fundos da casa do criminoso. Recentemente, a ossada foi retirada de seu local e lançada em plena avenida da cidade.

Diversos motivos chamam a atenção da psiquiatria forense nesse caso. Primeiramente, a frieza do autor do crime. Além de não ter se arrependido durante todo o tempo em que a vítima esteve enterrada, tratou-a recentemente tão somente como um objeto que estava atrapalhando seus projetos de fazer uma horta no local usado para o enterro. Esse quadro bizarro levanta imediatamente a dúvida sobre a sanidade mental do autor.

No entanto, o segundo motivo é representado exatamente pelo fato de ele jamais ter despertado a atenção dos circunstantes sobre a sua saúde mental, ou seja, nunca havia sido visto como um louco.

O terceiro motivo é a banalização do ato praticado ao se desfazer da ossada à luz do dia, em pleno centro da cidade, desconsiderando totalmente a possibilidade de ser flagrado.

Pela psiquiatria forense, aparentemente, ele não pode ser visto como “louco”, pois esta expressão popular se refere à doença mental, que, por sua vez, compromete a capacidade de entendimento do ato criminoso. Aqui, ele entende perfeitamente que praticou um crime, tanto que o ocultou das autoridades policiais.

Por outro lado, não se pode descartar a possibilidade de ele ter um transtorno de personalidade antissocial com características psicopáticas. Esse transtorno não é visto em psiquiatria forense como uma doença mental, mas como uma perturbação da saúde mental. A diferença básica é que, apesar de a psicopatia não prejudicar a capacidade de entendimento do ato praticado, pode afetar a capacidade de determinação. Enquanto a primeira capacidade está relacionada ao aspecto cognitivo (conhecimento), a segunda está na dependência do aspecto volitivo (diz respeito à vontade, à capacidade de controlar o impulso de praticar o crime).

A maior autoridade sobre psicopatia no mundo atual é o canadense Robert Hare. Ele elenca 20 (vinte) características que diagnosticam um psicopata. São eles: loquacidade/charme superficial; autoestima inflada; necessidade de estimulação/tendência ao tédio; mentira patológica; controlador/manipulador; falta de remorso ou culpa; afeto superficial; insensibilidade/falta de empatia; estilo de vida parasitário; frágil controle comportamental; comportamento sexual promíscuo; problemas comportamentais precoces; falta de metas realísticas a longo prazo; impulsividade; irresponsabilidade; falha em assumir responsabilidade; muitos relacionamentos conjugais de curta duração; delinquência juvenil; revogação de liberdade condicional, e versatilidade criminal.

É claro que só depois de uma perícia aprofundada é que se pode concluir por um transtorno de personalidade. Ademais, não se diagnostica psicopatia por apenas um crime, por mais bizarro que seja. Como se trata de um transtorno de personalidade, observa-se, nesses casos, uma história de vida transtornada, marcada pelos critérios retromencionados.

Um problema sério enfrentado pela realidade brasileira é a falta de estabelecimentos adequados para receber essa clientela. Os psicopatas não podem ficar na sociedade, pelo perigo que eles representam para a mesma; no hospital não há tratamento satisfatório e, ainda, manipulam os doentes mentais e o presídio também não representa uma boa opção, já que são portadores de transtorno mental.

Ainda não existe tratamento eficaz para a psicopatia, seja medicamentoso ou psicoterápico. Seria necessário um estabelecimento específico para recebê-los e lidar com eles da forma cautelosa necessária.

Por fim, é importante destacar que não existe necessariamente uma relação causal entre transtorno mental e comportamento violento. Um paciente psiquiátrico pode adotar um comportamento sem sinais de violência, da mesma forma em que um criminoso pode não ter qualquer manifestação psiquiátrica. No entanto, em casos chamativos como esse, em nome do princípio da justiça, faz-se necessário um estudo aprofundado para saber que patologia pode estar por detrás de um comportamento violento.

Elias Abdalla-Filho

Elias Abdalla-Filho é médico-psiquiatra e psicanalista uberabense, mas radicado em Brasília há 30 anos; é pós-doutorado em Psiquiatria Forense pela Universidade de Londres (King’s College London); autor do livro “Psiquiatria Forense de Taborda”

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