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Sacrifício e ascese

Bruno de Assis
Publicado em 30/07/2018 às 08:47Atualizado em 17/12/2022 às 12:00
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O sofrimento é uma condição necessária da existência humana. O bebê nasce chorando, por já pressentir; é um prenúncio da dor permanente da existência. O mundo físico está constantemente sujeito à corrupção; nele o sofrimento nos faz perceber em que somos iguais e está aí para nos lembrar de nossa condição carnal, da deterioração da vida corporal. Mas não é apenas a carestia material que faz sofrer.

Vivemos em tempos de sensibilidade à flor da pele. Somos estimulados a todo o momento a evitar o dano físico ou emocional, por menor que ele seja, e a experimentar prazer sem limites. Com o avanço econômico e tecnológico da era moderna, avança também a tendência de tornar tudo mais cômodo e prazeroso, comportamento que embota os sentidos e torna o espírito frouxo.

Uma existência asséptica. Pais que tentam evitar que os filhos padeçam o que os próprios sofreram constroem uma redoma de vidro para eles. Tentativa inútil. Tampouco os reis alcançaram tal façanha. As boas intenções são inquestionáveis, mas estas impedem que os filhos aprendam com os próprios erros e com as provações.

O sofrimento pode ser encarado como uma oportunidade. Uma porta que se abre para uma nova visão. “Essas pessoas estão se esquecendo de que, muitas vezes, é justamente uma situação exterior extremamente difícil que dá à pessoa a oportunidade de crescer interiormente para além de si mesma”, alertava o psicólogo Viktor Frankl. Não há autoconhecimento sem sofrimento. E como seremos capazes de evoluir sem sabermos quem somos?

Em diversas culturas existem ritos de passagem que representam a transição de um estágio da vida para outro. Um jovem índio coloca a mão em uma luva cheia de formigas para demonstrar sua virilidade. De alguma maneira, tais rituais dão sentido à vida e representam uma evolução para quem os vive.

Na era do politicamente correto e do bullying, qualquer tipo de desconforto é abominado. O projeto de acabar com a pobreza e o sofrimento, além de utópico, é ingênuo e indesejado. Caso não houvesse dor e necessidade, o ser humano perderia uma de suas características mais nobres: a virtude da caridade.

A capacidade de enxergar o próximo como seu semelhante e condoer-se com sua situação faz o homem transbordar o seu eu, abrir os olhos à miséria humana e o coração à caridade. “Nunca deixará de haver pobres na terra; é por isso que eu te orden abre a mão em favor de teu irmão que é humilhado e pobre em sua terra”, é o conselho presente em Deuteronômio. De que seria feito o herói e o mártir senão da superação e do sacrifício? A felicidade não deriva do gozo ilimitado das potencialidades humanas, o que é realmente indispensável a ela é o sacrifício. A marca dos santos é a superação das provações às quais são submetidos.

Bruno de Assis é professor e jornalista

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