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O Processo (1925), à luz do Brasil (2018)

Josef K. acordou, certa manhã, sem saber o que estava ocorrendo. Deparou-se com algo não usual

Hugo Henry Martins de Assis Soares
Publicado em 03/10/2018 às 20:36Atualizado em 17/12/2022 às 14:07
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Josef K. acordou, certa manhã, sem saber o que estava ocorrendo. Deparou-se com algo não usual em seu cotidian homens lhe informando sobre sua prisão, e o impossibilitando de qualquer direito. Em reflexão, Senhor K., como usualmente chamado, não sabia sobre o(s) motivo(s) de sua restrição de liberdade, e passou a refletir sobre aquilo que poderia levá-lo a tamanha sanção.

É sob este enredo que Franz Kafka desenvolve uma das suas maiores obras, O Processo, que relata justamente um processo sem qualquer acusação, ou mesmo informação, acerca dos fatos pelos quais K. havia sido detido.

A obra (póstuma) data de meados de 1925, mas não haveria como ser tão atual. Em tempos de eleições presidenciais por demais polarizadas (ainda mais que as de 2014), convivemos com inúmeros processos diários, sem qualquer oportunidade concedida aos “acusados” para se manifestarem sobre os termos pelos quais respondem.

Pré-julgamentos são, a todo momento, fontes de absoluta certeza sobre o Outro, a caracterizar a ausência, e impossibilidade, de diálogo entre ambos os lados. As minorias (sociológicas), historicamente acachapadas quanto aos seus direitos, pagam por uma sociedade do ódio, em que, são acusadas de “crimes” e “contravenções” pelos quais são sequer responsáveis.

O homoafetivo responde pela sua escolha. O negro é acusado por nascer. As mulheres são julgadas pela sua certidão de nascimento. Os nordestinos padecem da pecha de não pertencerem ao país. Simplesmente se generaliza, sem qualquer reflexão sobre o conteúdo das palavras, sejam escritas, e principalmente faladas.

Não pensem que o contrário também não é verdadeiro, mas a todo momento devemos nos remeter à história do país para tirarmos nossas próprias conclusões sobre o que seria necessário para caminharmos em frente, e não retrocedermos em direitos, garantias e liberdade.

Liberdade esta inexistente no Brasil, independentemente do sentido que lhe dê, tendo em vista a impossibilidade de exposição dos pontos de vista, sob pena de ser acusado, escrachado, zombado e ridicularizado, por pessoas que sequer o conhecem, tampouco se valem de “provas”, ou contexto, para proferirem tais acusações.

Apenas uma certeza: deste outubro despedaçado, o Brasil sairá em frangalhos, cujos retalhos demorarão a ser novamente reconstituídos a fim de se (re)estabelecer o necessário para sermos uma sociedade (se é que já fomos), e não um país utilizado de lócus para propagação da violência contra o Outro. 

(*) Mestre em Ciência Política e Especialista em Direito Constitucional (UFG). Professor (UFU). Procurador Municipal (Iturama)

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