O amor romântico está presente em toda forma de arte. Fernando Pessoa tão sensivelmente o representou, “…ele é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura…”. O Ser-humano, no sentido de se tornar essencialmente humano, assim se constitui no encontro com o Outro, em uma relação de alteridade e, paradoxalmente, preservando sua individualidade.
Uma vestimenta se esgarça não com o tempo de uso, mas com o mau uso que se faz dela. Uma veste que se esfacela revela o corpo de quem a carrega em si. Assim, está o cuidado para com o amor. O envolvimento amoroso requer um eterno cuidar. Um cuidado com o outro, o cuidado com o eu e o cuidar da relação.
Manter a individualização necessária para que a relação possa comportar no mínimo dois. Quando as relações amorosas se constituem com referência nos contos de fada estão fadadas ao contínuo e persistente “esgarçamento”. Quando se fundamenta num encontro de almas gêmeas, o vínculo não se sustenta, pois um dos dois se anula para a existência da fantasia do uno.
O amor deve comportar a arte do desiludir. O convívio diário requer ajustamentos fundados na emergência da realidade. Novas roupagens devem compor as escolhas dos amantes e, metaforicamente, no dia a dia, novas vestimentas devem substituir aquelas que se esgarçam com o mau uso no tempo ou as que se esfacelam e expõem a nudez do eu em sua mais singela vulnerabilidade. O amor comporta uma variação de “moldes” que se ajustam harmoniosamente ou não ao serem tecidas as relações. Estas se fundam nos desejos e são eles que fomentam a relação. Assim, parafraseando Pessoa, “…o amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão.
Só não o é quando a desilusão, aceite desde o princípio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida”.
(*) Psicóloga Judicial; presidente do IBDFAM – núcleo de Uberaba