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A lição de "Branco"

Muitas fotos retratando a Imagem do Dia nesta página têm me chamado a atenção

João Eurípedes Sabino
Publicado em 16/05/2019 às 22:23Atualizado em 17/12/2022 às 20:50
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Muitas fotos retratando a Imagem do Dia nesta página têm me chamado a atenção, mas a de 14/05/2019 foi impactante de forma especial. O(a) leitor(a) se lembra bem da foto do cão “Branco”, na página 4, deitado sobre uma campa no Cemitério São João Batista gozando “a vida que pediu a Deus”, no exercício pleno da “sombra e água fresca”, só faltando “o barranco para morrer encostado”. 

Mesmo “apertado de costuras”, fui à minha futura morada para checar se a foto de “Branco” era real ou fake news. Por que essa minha curiosidade? É que o trabalho desempenhado por ele no São João Batista, principalmente durante à noite, não é para qualquer um: correr com os ladrões do cemitério.

Qual não foi a minha surpresa ao chegar no portão monumental da cidade dos “pés juntos”, quando vi ali todo garboso e em posição de guarda emitindo fortes latidos, ninguém menos do que o “Branco”. Ele que fora fotografado sobre a sepultura, dormindo, em nada se parecia com aquele canzarrão de garganta potente. “Este terreno é meu e ninguém entra sem as minhas ordens”, parecia bradar o vira-latas esbarrando uma matilha que queria entrar no recinto.

Aqui começa o cerne deste texto. “Branco” come, bebe, dorme, perambula, faz rondas e vive sua vida de cachorro passando por cima de túmulos em cujo subsolo guarda personagens que muitas vezes podem ter destratado a espécie canina. Quem esteve por cima hoje está por baixo com chance zero de inverter as posições. Eis a realidade da vida, aliás, da morte.

Tive um cão, o Kiko, por dez anos que antes morou na rua e sei o quanto os vira-latas são amorosos. Tenho certeza de que “Branco” enjeita qualquer proposta para se mudar do cemitério e viver em canil recheado de conforto. É o caso do lobo que prefere as privações da floresta a viver os limites da cidade.

“Branco” convive com situações que muitos do seu time jamais verão, a começar pelas exumações, passando por velórios, sepultamentos, choros, tristezas, despedidas, separações, etc. Todavia, vive num ambiente em que, abaixo do nível da terra, todos se igualam e para ali não foram levados por si mesmos. Precisaram de alguém para deitá-los. 

Eh... a foto de “Branco” era real, como real é a sua lição...

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