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Eu já sabia

É possível unir poesia e história, religião e futebol

Luiz Cellurale
Publicado em 20/04/2015 às 11:12Atualizado em 17/12/2022 às 00:29
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 Eu já sabia

É possível unir poesia e história, religião e futebol.Muitas pessoas consideravam, equivocadamente, profecia como sinônimo de adivinhação. Não era. Na antiguidade clássica, os profetas pareciam sociólogos e faziam uma leitura de seu tempo. Esses religiosos avaliavam o contexto histórico e previam sucessos ou catástrofes iminentes. Assim, por exemplo, no Oriente Médio, havia, como hoje, muitas disputas territoriais e era esperado que os governos se equipassem militarmente para a defesa das fronteiras. No entanto, em Israel, a corrupção e a prostituição impediam a chegada dos recursos para defesa. Por isso, apenas uma pequena parcela da população, os profetas, anunciavam o perigo e denunciavam as injustiças. O resultado dessa história é fácil prever: os judeus foram derrotados numa guerra épica pelos babilônicos e foram levados cativos, sujeitos a humilhação, deixando para trás a própria humanidade.

Podemos aplicar esse instrumento de análise da realidade ao futebol do Brasil nesta copa. Poucas pessoas sabiam que não daria certo e a maioria preferiu se massificar e acreditar nos veículos de comunicação. Na verdade, a análise coerente da realidade previa que a derrota para a Alemanha será o início do fim da seleção.

O fracasso não pode ser imputado a pessoas, mas ao contexto. A CBF privilegia os times teoricamente ricos das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre. Os imensos recursos do direito de imagem são depositados nos clubes dessas capitais que, mal administrados, atolam-se em dívidas, numa contradição dialética. Empresas acabam investindo em contratos milionários para garantir a permanência de jogadores, cujos negócio e investimento que definem suas carreiras.

Outras cidades do Brasil são atores coadjuvantes. Pouco ou nada é feito para o Norte e o Nordeste. A maioria dos clubes pequenos, de cidade do interior, como Uberaba, ou outras capitais, como São Luís, Manaus, Belém, Recife, João Pessoa, Maceió, Salvador e Aracajú, funcionam apenas uma parte do ano, de fevereiro até maio, quando acabam os campeonatos regionais. Depois disso, o contrato dos jogadores é recindido e eles ficam na dependência da sorte para a sobrevivência. A base que forma o profissional está cindida e talvez essa seja a realidade da maioria dos clubes do Brasil. Os times grandes buscam o jogador já formado.

O campeonato brasileiro é o estereótipo da discriminação e os times do Sul e Sudeste estão na Série A e recebem a maioria dos investimentos, e os times do Norte e do Nordeste, na Série B e vivem dos parcos rendimentos de suas economias. A Copa do Brasil é a única forma de participação dos clubes pequenos que tentam medir forças com as “potências”, enquanto essas anseiam se ver livres deles.

Em minha opinião, a mídia deveria privilegiar o regionalismo, através da transmissão dos jogos regionais, evitando, com isso, que cidades do distante Amazonas tenham mais torcedores de São Paulo e do Rio, do que de suas próprias localidades. Sem discriminações ou preconceitos, os campeonatos deveriam ser modificados, para que os clubes pequenos tenham competições o ano todo, forçando-os a formar jogadores, desde a idade infantil até atingir a maioridade. Isso ajudaria, inclusive, a aliviar as pressões sociais, ocasionadas pela falta de perspectiva e pela miséria.

Além disso, desatrelar-se-ia o campeonato de uma empresa de televisão, que define até o horário de 22 horas para as partidas noturnas, tornando o futebol um esporte elitista, considerando que a maioria dos brasileiros, formada por trabalhadores, depende de conduções para chegar ao serviço que, invariavelmente, os tira da cama antes das 5 horas da manhã.

Essas e outras modificações permitiriam um recomeço, desde que baseados em contratos justos e bem definidos, onde se encerraria a hegemonia do Sul e Sudeste e se abririam as portas para novas perspectivas em relação ao futuro desse esporte no Brasil. Do contrário, a Alemanha foi só o começo!

Luiz Cellurale

Historiador e professor de História

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