Ele não ia a velórios, de modo algum. Foi uma opção que fez a certa altura da vida. Não gostava daquela ocasião de tristeza e despedida. Quando era questionado do motivo, se era indiferença ou covardia, negava ambos. Dizia: “homenageio a pessoa quando ainda viva. Quem não considera a pessoa quando em vida, não adianta fazê-lo no velório. Já se foi. Além disso, quero guardar como última a imagem da pessoa com vigor, se possível alegre”. Mas, na verdade, não gostava mesmo era de enfrentar a situação fúnebre, tentava se desviar como podia de tudo que desagradava. Viveu muito e teve, sem pesar, um velório bem vazio. Contudo, evitava admitir que no funeral não há apenas a homenagem ao defunto, mas também aos entes mais próximos, que naquela hora precisam de conforto, de abrigo, de afeto, de atenção e compaixão amiga, talvez até mesmo de ajuda objetiva. No caso, uma afirmação da amizade. Seguro de que curiosos misturam-se no contexto, mas joio é joio e trigo é trigo. Certa feita, ouvi o clamor da voz de uma mãe, em rede social, para que orassem por seu filho, desenganado e à iminência de ter morte cerebral atestada. Rogava por um milagre. Esse pedido tinha a força ardente da dor, era mesmo real e sentido. Creio que muitos ouviram, poucos de fato sentiram, embora, talvez, mecanicamente se desincumbiram repassando automaticamente a mensagem. Com efeito, há momentos em que não basta o cumprimento solene de regras sociais. Não ir a um velório circunstancialmente pode ser mais respeitoso que a presença formal como visita espetacular, apresentando um inconsistente “meus sentimentos” sem sentir, sem a energia do apreço. Uma oração sincera, na comunhão da alma, transcende a indiferença da repetição superficial de frases de catequese. Há ocasiões em que a amizade tem que emergir para a verdade; a fraternidade tem que vigorar mais que gestos e palavras. Há momentos, não só ao tempo da morte, em que nossos próximos precisam de mais, de algo mais, ou muito mais que simples tapinhas nas costas.