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Tristeza

Mais ou menos assim. A alegria é nobre, a tristeza, pobre. A tristeza, simples

Ricardo Cavalcante Motta
Publicado em 31/08/2018 às 19:39Atualizado em 17/12/2022 às 13:04
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Mais ou menos assim. A alegria é nobre, a tristeza, pobre. A tristeza, simples, ao seu modo, em qualquer lugar pode encostar... vai acontecendo invisível, na escuridão, no bolor. A alegria não se desenvolve sem ter ambiente para se enraizar; vem pela luz, pelo puro ar. A tristeza pouco cobra para se instalar, decorre até do nada, do silêncio. Fica sempre por aí, espreitando, aguardando oportunidade de se enfiar. A tristeza é fria. Não discute. Não faz polêmica. É solene e perseverante, sorrateira, parasitária. Enquanto ainda há espaço para conversa, a tristeza não se coloca, mas, quando não há mais impulso para diálogo, ela se impõe para seu estrago realizar. Seu proceder, a depressão ou a elucubração do mal para corroer. A tristeza age no secreto astucioso e caprichoso para seus efeitos produzir. Ela mata de mansinho ou de vez, não importa, sempre gosta. Deleita-se com seus requintes de crueldade. Ela só abre os olhos da cegueira quando quer mostrar o desastre da ilusão perdida. Conforme a presa, ela escraviza pela depressão ou solta para o fim fatal. A tristeza não é estática, trabalha muito para o seu prazer por destruição. Implode ou explode o vitimado, conforme sua reação. Ela é cínica, indiferente ao efeito doloroso, é irônica. Adora a boemia soturna, noturna, serena, sofrida. Usa dos artistas e dos poetas para realçar e registrar sua atuação. Sempre deixa sua marca, sua cicatriz, até sua lição. Quando iluminada, existe apenas como paradigma em oposição à alegria, a quem inveja sem confissão. Ela não é a prostituta, mas dela é filha, aparentando ter nascido da alegria ou do prazer, embora surja da falsa sedução. Porém, logo muda de pele e infecta, incrustando-se na fraqueza daqueles que prezam mais ao diabo que ao divino. E não há como se negar que a conheça. Há fatalidades, quando naturalmente se torna, plena e absoluta, a dona da situação. Contudo, caprichosa, cobra provação para partir. Penetra fácil, como espírito ruim em todo oco de bom sentir. Adora contemplar as vítimas. Mas não se assombre, mesmo morrendo, há os que a ela se afeiçoam, degustam, absorvem e a promovem para também fazer a outro se amargurar. Se fraco não for, a ponto de se sucumbir, ela segue para algum diverso assumir. Nessa inconstância dos seres é que ama se divertir. E, pasme-se, a tristeza gosta muito de rir... Então, fique sempre atento para um firme reagir.

(*) Juiz de Direito

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