ARTICULISTAS

Carta de um leitor para seus livros

Ainda não tenho certeza por que escrevo... Talvez porque eu esteja velho demais

Júlia Castello Goulart
Publicado em 26/10/2014 às 12:12Atualizado em 17/12/2022 às 03:02
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Ainda não tenho certeza por que escrevo... Talvez porque eu esteja velho demais e a nostalgia seja algo tão presente do que em qualquer outro momento da minha vida. A verdade é que descobri um segredo ao terminá-lo ontem. Um segredo que nunca conseguirei passar adiante, porque acredito que as maiores descobertas só podem ser feitas por você mesmo. Certamente esta carta ficará esquecida, mas já me sinto bem em colocar aqui um pouco da minha gratidão, depois de tantos anos.

É estranho pensar que o maior presente que eu já tenha ganhado foi aprender a ler e escrever. Foi neste instante, muito pequeno, que a minha realidade de desenhos virou letras, e formaram assim palavras. Apaixonei-me por este mundo, e logo ganhei o meu primeiro de vocês.

Na verdade, nunca antes tinha conhecido a maravilhosa experiência de ficar só. O silêncio às vezes é necessário para entendermos nossos mais profundos sentimentos. E suas presenças, nestes momentos, eram incansavelmente insubstituíveis, já que vocês eram os únicos capazes de me transportar para uma realidade tão distante. Aprendi com os clássicos palavras que eu não conhecia e um tempo que nunca viveria. Conheci pessoas, lugares e ideias diferentes.

Este mundo da leitura, que eu me encontrava quase sempre, foi talvez a chave para descobrir que ali dentro podia ser perfeito, mas não era o meu mundo; a minha realidade. Decidi, assim, praticar o que eu já tinha aprendido na minha pequena jornada que ainda só estava começando.

Na juventude pensei que vocês seriam esquecidos, por falta de tempo, já que quando jovens tentamos fazer várias coisas no mesmo instante. Mas ficar longe foi questão de tempo. Afinal, te amei desde o instante que percebi que os meus problemas também eram parecidos com os seus. Identifiquei-me inúmeras vezes com os protagonistas dos romances, quando juravam o “para sempre” para minhas supostas almas gêmeas.

Finalmente conheci a mulher com quem me casei. Vocês dobraram de quantidade, ficando espremidos nas prateleiras, assim como as roupas espremidas nas gavetas. O momento talvez mais lindo da nossa jornada foi quando passei a lê-los em voz alta para duas novas criaturinhas que ficavam com olhos brilhantes ao começar uma nova história.

Percebo que passei muito tempo com medo de morrer sem ter lido todos os livros do mundo. E hoje concluo que, mesmo que eu tivesse “sete vidas como os gatos”, ainda assim o tempo seria insuficiente. Mas mesmo entre tantos livros, eu os escolhi, como escolhi cada passo que dei ao longo do meu caminho. Para cada momento, um de vocês se encaixou. Realmente sinto pena daqueles que nunca entenderam o que é ler. Ler não é somente juntar palavras, é sentir com todos os sentidos a história. É se emocionar várias vezes, é querer chegar rápido ao fim de um livro bom. Mas, assim como a vida, aprendi que um livro só pode se tornar uma inesquecível aventura quando lido ou vivido do começo ao fim.

(*) Estudante

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