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Encarceramento como solução final

Registros históricos demonstram o Direito como algo social concedido aos homens por Deus...

Wagner Dias Ferreira
Publicado em 17/04/2015 às 20:40Atualizado em 16/12/2022 às 03:32
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Registros históricos demonstram o Direito como algo social concedido aos homens por Deus para sobreviverem em sociedade. Exemplo é a história de Moisés, que recebeu de Deus a tábua dos dez mandamentos. Com o surgimento dos romanos, o Direito passa a ser ditado pelo senado ou pelo imperador, com forte presença da divindade. Na transição para o período moderno, havia a crença no poder divino dos reis. Com o iluminismo e a Revolução Francesa, é fortalecida a ideia do Direito como fruto do contrato social: os homens definem regras de convivência. Esse conceito levou à transformação da sociedade, com a participação do povo cada vez mais ampla nas definições políticas do Estado, ao menos teoricamente. Na verdade, sempre houve interesses a se defender na elaboração das normas. Moisés queria transformar escravos egípcios em povo autônomo, pois eram muito mais numerosos do que os egípcios e produziam toda riqueza com seu trabalho. Os romanos distinguiam cidadãos e gentios impedindo o acesso destes a muitos benefícios. O Direito visava preservar um grupo de pessoas e impor aos outros a serventia.

No período das luzes a ideia do contrato social visava transpor o poder das mãos da nobreza para a elite burguesa o que autorizou a sociedade a revisar seu direito e proporcionar a participação de um segmento que produzia riquezas, mas não tinha poder. Atualmente, os brasileiros discutem a modificação na norma que determina a imputabilidade penal. Hoje são inimputáveis os menores de 18 anos, mas o que está em jogo não é apenas uma escolha política conjuntural nem o combate ao crime. O país tem leis criminais desde a colônia e nunca fizeram cessar a criminalidade. Muitos países tratam crianças como imputáveis criminalmente e isso não reduz a violência nem torna estas sociedades mais harmônicas. Se tomarem o crescimento populacional brasileiro nos últimos anos, bem como a diferença social, onde um grupo pequeno de pessoas detém a maior parte dos bens econômicos produzidos na sociedade e um número cada vez maior de pessoas pressiona para ter acesso a estes bens, começa-se a perceber o desejo de ampliar o encarceramento.

Discute-se a redução da maioridade penal, como se todo adolescente fosse criminoso e que alguns estarão livres da polícia automaticamente. A ideia de redução da maioridade penal aponta na direção da criminalização dos adolescentes, por isso está por trás dessa ideia o encarceramento de um contingente populacional, independente de saber se são criminosos ou não. Marcando para sempre estas pessoas que jamais terão acesso à cidadania plena como ocorria com os gentios no império romano. O encarceramento como solução final para a criminalidade não atenderá ao clamor do discurso justificador da medida, mas criará problema maior para a sociedade brasileira, com enorme contingente de gentios sem acesso à cidadania.

(*) Advogado e Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG

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