Qualquer um percebia que ele fingia. Era um mancar fajuto, pouca gente ajudava. O cara era magro, aparentava uns trinta anos, era alto e, fora a nada convincente forma trôpega com que andava, não havia nada de errado com ele. Sobreviver do semáforo era melhor do que ter uma hora para entrar, outra para sair e um patrão a controlar tudo isso. Além disso, a rua podia dar-lhe um sustento ainda melhor do que o batente formal. A indignidade de esmolar seria, assim, compensada pela grana fácil. Eu mesmo, nas inúmeras vezes em que esperei ansiosamente pelo verde daquele farol, nunca dei a ele nada que pudesse se parecer com ajuda, afinal, o cara podia trabalhar até melhor do que eu; bastava que parasse de mancar.
Só percebi quanto tempo fazia que não o via quando o vi de novo. Ele já não mancava, embora conservasse a atuação no mesmo ramo, de pedir.
A minha contemplação, porém, já não era a de reprovação. Era de profunda vergonha de mim mesmo. Estarreceu-me a constatação da minha insignificância e pequenez diante do sentimento humano e cristão. Confesso, inclusive, que meus olhos passaram a me oferecer imagens distorcidas e turvas pelas lágrimas que não desceram.
Baixei a cabeça e senti como que se eu tivesse diminuído de tamanho por ter-lhe negado um mínimo de generosidade.
Lá estava ele de novo entre os carros, pedindo só com as mãos, sem palavra, mas, desta vez, sentado numa cadeira de rodas que ele mesmo empurrava de ré com a perna que lhe tinha sobrado. Só tinha aquela.
É certo que a gente pode explicar o preconceito com o fato de o mundo estar repleto de gente esperta a nos enganar em tempo real, o tempo todo. Porém, está também repleto de tolos que têm toda a certeza desse mesmo mundo, de que nunca se enganam a respeito de alguém.