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Venha ver minhas bonecas

Na missão pastoral de que somos investidos, os ministros de Deus

Dom Benedicto de Ulhôa Vieira
Publicado em 28/07/2011 às 19:56Atualizado em 19/12/2022 às 23:08
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Na missão pastoral de que somos investidos, os ministros de Deus, muitas vezes temos oportunidade de visitar as famílias e dar a bênção à casa. Muitos lares, até alguns anos atrás, nestas visitas pastorais dos sacerdotes entronizavam na sala a imagem do Coração de Jesus, devoção de profundo sentido teológico, porque nela está implícito o dogma da união hipostática. O ritual até previa a bênção das casas no sábado santo, o que parece já não estar em uso atual.

Por motivo especial uma família pediu-me, após a missa vespertina de Páscoa, para abençoar-lhe o lar. Estavam os pais passando momentos difíceis de justa preocupação. A casa nova, ainda não com todas as mobílias, tinha contudo, pequeno oratório no topo da escada com uma velinha acesa em homenagem a Nossa Senhora da Medalha Milagrosa. Rezamos juntos, pedimos a proteção de Deus sobre os pais e as duas crianças. Os fatos posteriores confirmaram que Deus, que é Pai amoroso, nunca abandona os filhos que nEle confiam.

Foi aí, após a oração, que Gabriela de quatro anos, quis que eu visitasse seu quarto de criança e conhecesse suas bonecas, com cujos nomes ela mesma as batizara. “Venha ver minhas bonecas”. Sua mão miúda e macia graciosamente segurou a minha e subimos. Lá no ambiente que é só dela, apresentou-me as bonecas, muitas por certo de valores não muito altos, objeto de seus sonhos de criança e de seus devaneios inocentes. Ali estava seu mundo, isto é, seus brinquedos. Perguntei-lhe se seu irmão pouco maior tinha bonecas. E ela, vivaz, me explicou: “Não. Ele tem bolas”.

Este contato com a criança afetuosa e comunicativa despertou-me várias reflexões. O crime de quem, por qualquer meio, corrompe um coração inocente dos pequeninos. Fiquei pensando em certos quadros dos programas de televisão, na vacuidade destas mensagens, no cuidado que os pais e educadores devem ter para preservar a candura encantadora destes corações infantis. É por isto que Jesus diz no Evangelho que quem escandalizar um desses pequeninos, lhe seria melhor atar ao pescoço a pedra de moinho e atirar-se ao mar. Lê-se hoje em dia nos jornais, com alguma frequência, notícia de violação e desaparecimento de crianças, crimes estes que abalam, assustam, revoltam a todas as pessoas de bem.

Nunca me esqueço da menina que me deu, há vários anos, uma resposta bonita na sexta-feira santa. Durante a procissão do Senhor morto, caiu inesperadamente uma chuva forte. Chegamos todos muito molhados à nossa Catedral. Após o sermão, chamei a menina mais próxima – não me lembro se Marisa – e perguntei-lhe, diante da imagem da Senhora das Dores, como iria naquela noite ficar Nossa Senhora sem Jesus, que tinha morrido. E ela: “Eu a levo para minha casa”. E eu objetei: “A imagem é grande e pesada. Você é pequena e não tem força para carregar Nossa Senhora”. Foi aí que ela, molhadinha da chuva, me deu a espantosa e linda resposta no tom gracioso de criança: “Eu a levo no coração”.

Gabriela quis que eu conhecesse suas bonecas. Marisa quis levar Nossa Senhora “no coração”. Penso então na palavra do Mestre: “Se vos não tornardes como crianças, não entrareis no reino dos céus”.

(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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