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Dogma e realidade

O termo dogma, na consciência de muita gente, adquiriu uma significação fluida e até mesmo pejorativa

Pe. Roberto Francisco de Oliveira
Publicado em 18/08/2011 às 20:43Atualizado em 19/12/2022 às 22:47
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O termo dogma, na consciência de muita gente, adquiriu uma significação fluida e até mesmo pejorativa. Atribui-se a ele uma tônica de fixidez, de cristalização. Fala-se dele emprestando-lhe o sentido de imutabilidade, de hermeticidade. Ora, esse modo de falar é carregado de muitas complicações. Parece indicar que a Igreja, ao definir os dogmas, arrasta na linha do tempo definições fatalisticamente fechadas, sem respiro e sem vida. O dogma, dessa forma, é compreendido como uma construção teológica que pertence ao passado e que a Igreja impõe ao presente, ainda que em nada se relacione com o presente.

Não é raro ouvirmos das pessoas severas e infundadas críticas ao corpo dogmático do catolicismo. Dizem que o dogma é invenção da Idade Média, que é doutrina eclesiástica e não bíblica. Dizem ainda que a Igreja não deveria continuar propondo aos homens da modernidade fórmulas do passado, elaboradas num contexto de supersticiosidade.

Tristemente essa é uma visão atrofiada da problemática. Precisa ser abandonada. O dogma, em primeiro lugar, nasce da própria Escritura Sagrada. Não é eclesiástico sem ser bíblico. É bíblico e eclesiástico. É eclesiástico por ser bíblico. Quando os concílios de Cartago e Orange condenaram o pelagianismo, basearam-se nos textos da Bíblia Sagrada. A doutrina do Pecado original, que se tornou dogmática, lança suas bases nas páginas do livro do Gênesis e no epistolário paulino. Não se trata de invenção da Igreja.

Também não se pode afirmar que o conceito definido seja de caráter hermético. O dogma é aberto. Deve ser aberto. Carece de atualização, de interpretação e reinterpretação contínuas. Com efeito, o Sumo Pontífice Bento XVI em sua encíclica Caritas in veritate menciona o Pecado das origens e acrescenta: Na sua sabedoria, a Igreja sempre propôs que se tivesse em conta o pecado original mesmo na interpretação dos fenômenos sociais e na construção da sociedade. De fato, como não poderíamos dizer que a autossuficiência do homem atual não seja uma espécie de retorno ao episódio adâmico? 

São tantos os teólogos renomados, como o Cardeal Newman, Walter Kasper, Karl Rahner, que testemunharam a atualidade do dogma, de modo a tornar insustentável o argumento dos opositores que veem fossilizadas as definições da Igreja. Assim, nós católicos, não pretendemos perpetuar na história formulações caducas e petrificadas. Ao sustentarmos uma Dogmática nossa, queremos atestar que aquilo que a Igreja declarou no passado continua atual. Troca-se a roupagem linguística, que é secundária, mas se pereniza o núcleo da Verdade, que é essencial.

Dessa forma, não coexistem em regime de oposição dogma e realidade. Esta reexplica aquele, atualizando-o. Por isso, uma Igreja dogmática é sempre uma Igreja atual, porque repropõe aos seus fiéis a mesma Verdade pretérita remodelada em um aparato intelectual compreensivo às gerações do presente. O dogma, portanto, caminha lado a lado com a realidade das pessoas. 

(modestamente prosseguimos a coluna de Dom Benedicto de Ulhoa Vieira, impossibilitado, pelo peso dos anos, de continuar esta atividade.)

(*) Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma); chanceler do arcebispado da Arquidiocese de Uberaba 

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