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O dia em que o Brasil emudeceu

Brasília – 13/12/1968. Neste dia, ingressei no prédio do Supremo Tribunal Federal em busca de informações

Aristóteles Atheniense
Publicado em 12/12/2018 às 20:12Atualizado em 17/12/2022 às 16:25
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Brasília – 13/12/1968. Neste dia, ingressei no prédio do Supremo Tribunal Federal em busca de informações sobre recursos oriundos de meu escritório, que tramitavam naquela Corte. Contava, então, 32 anos. 

Deparei com dois amigos mineiros já falecidos: José Guilherme Villela (colega da turma da UFMG de 1959) e Modesto Justino de Oliveira (irmão de José Aparecido de Oliveira). Após uma breve troca de impressões sobre a nossa profissão e os riscos que enfrentávamos, acolhi a sugestão de ambos para que comparecesse à posse do novo presidente do STF, ministro Antônio Gonçalves de Oliveira, natural de Curvelo.

Fomos juntos à solenidade. Nela estavam presentes o governador Israel Pinheiro, outros políticos de nosso estado e autoridades militares.

Após o Hino Nacional, procedeu-se a tomada do compromisso regimental do novo Presidente e de seu vice, ministro Oswaldo Trigueiro. A saudação aos empossandos, em nome da OAB, ficou a cargo do combativo Sobral Pinto. A sua oração, na primeira parte, primou pela exaltação do Direito e da Democracia, com elogios aos investidos, incluindo a preservação da independência dos Poderes da República.

Ao longo de sua fala, um cidadão cuja identidade não foi conhecida, aproximou-se da tribuna, ali deixando um papel. Sobral Pinto deteve-se na leitura de seus dizeres. Cessou a oração que proferia, fitou o plenário, transmitindo-lhe a notícia de que naquela tarde a Câmara dos Deputados, por 246 votos a 141, negara a licença pleiteada pelo ministro da Justiça, Gama e Silva, para que fosse cassado o mandato do deputado Márcio Moreira Alves.

Os discursos do parlamentar, naquela Casa, foram considerados ofensivos às Forças Armadas, seja em razão de haver pedido ao povo brasileiro que não comemorasse o dia 7 de Setembro, seja pelo fato de haver recomendado às moças que, nos bailes, se recusassem a dançar com militares.

A Comissão de Justiça, encarregada de apreciar o pedido, era presidida pelo deputado Djalma Marinho, professor de Direito, filiado ao partido do governo (ARENA-RN), respeitado entre seus pares e jornalistas. Como discordasse da pretensão oficial aprovada na comissão, Marinho renunciou à presidência daquele órgão, sendo acompanhado por 76 deputados da ARENA, além da bancada do MD, na votação realizada no dia 13.

A posição assumida por Djalma Marinho teve grande repercussão no Congresso, mormente por haver incluído no seu voto a frase histórica de Pedro Calderón de La Barca: “Ao rei tudo, menos a minha honra”. Na mesma noite, Costa e Silva reuniu-se, na biblioteca do Palácio Laranjeiras, no Rio de Janeiro, com ministros e auxiliares diretos. O ministro do Trabalho, coronel da reserva Jarbas Passarinho, embora reconhecendo que o Ato Institucional era ditatorial, acrescentou: “às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”.

Entre os presentes (24), o único a divergir do Presidente foi Pedro Aleixo, mineiro e professor de Direito, que optou pela implantação do Estado de Sítio. Em agosto de 1969, com o agravamento da doença de Costa e Silva, incapacitado de exercer o poder, os ministros Lyra Tavares, do Exército; Márcio de Souza Melo, da Aeronáutica, e Augusto Rademaker, da Marinha, impediram que Pedro Aleixo, embora sendo Vice-presidente, assumisse o comando do País.

Ainda, na fatídica noite do dia 13, ao ser compelido a fazer a leitura do documento de 18 laudas pelo Presidente militar, Alberto Curi, locutor da “Voz do Brasil”, mineiro de Caxambu, indagou de Costa e Silva se poderia ler o texto antes de divulgá-lo. A pretensão foi negada, pois, segundo o mandatário, “as câmeras de TV e os microfones das rádios já estão prontos, vamos entrar ao vivo em cadeia nacional”.

Um grupo de senadores da ARENA, liderado pelo senador gaúcho Daniel Krieger, em documento tornado público, discordou enfaticamente da medida adotada. Entre os signatários, figuraram: Milton Campos, Carvalho Pinto, Teotônio Vilela, Aluísio de Carvalho Filho, Ruy Palmeira e Gilberto Marinho.

Este é o resumo do fato que emudeceu o Brasil.

No dia seguinte ao do evento que presenciei, Sobral Pinto encontrava-se em Goiânia, hospedado no Hotel Umuarama. Seria paraninfo da Faculdade de Direito local, cabendo-lhe discursar. No hotel foi informado, por um auxiliar do governador Mauro Borges (de quem fora advogado), de que iria ser preso e da existência de um avião ao seu dispor para levá-lo a qualquer lugar do país ou do exterior. Mas recusou a oferta. Pouco depois, foi preso e arrastado para uma guarnição do exército, devido à sua negativa em atender à intimação recebida, pois, a seu ver, não cometera crime algum que justificasse a sua remoção.

Retomando àquela memorável solenidade no STF, lembro-me de que, mesmo sendo convidado a participar da festividade de posse no antigo Brasília Palace Hotel, optei em voltar a Belo Horizonte, certo de que alguma medida de força seria implantada nos próximos dias.

Convivi com o Ato Institucional nº 5 desde a sua edição (1968) até a revogação (1979), operada pela EC nº 11 no governo Geisel, cessando os Atos Institucionais e Complementares, com o restabelecimento do “habeas corpus” em crimes políticos.

Nesse mesmo ano, fui eleito e, mais tarde, reeleito presidente da OAB/MG.

Embora haja, atualmente, quem conteste a existência da ditadura militar, a partir de 1964, aceitando-a como necessária, ante a iminente implantação do comunismo, vale relembrar alguns dos seus efeitos enumerados por Zuenir Ventura no livro “1968, o ano que não terminou”.

Além da demissão ou aposentadoria de juízes, professores e outros funcionários públicos, o Ato Institucional nº 5 continha poderes que extrapolavam até a Constituição de 1967, imposta pelos militares. No curso de sua vigência, 500 filmes foram proibidos, 450 peças de teatro, vetadas; 200 livros, censurados; 100 revistas, retiradas de circulação; 50 letras de músicas, vetadas; 12 capítulos de novelas, suspensos; 313 mandatos parlamentares, cassados; 348 aposentadorias, compulsórias, e 139 militares, reformados. Isto sem incluir a censura prévia aos jornais.

Decorridos hoje 50 anos de sua publicação, negar o autoritarismo que inspirou o malsinado AI-5, agora lembrado, equivale a coonestar todas as arbitrariedades praticadas na sua vigência. 

(*) Advogado e Conselheiro Nato da OAB, diretor do IAB

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