ARTICULISTAS

Rostos de pedra, sulcos da vida!

Dias atrás assisti num noticiário da grande imprensa, matéria que tratava de uma denúncia

Valter Machado da Fonseca
Publicado em 14/09/2011 às 19:50Atualizado em 19/12/2022 às 22:21
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Dias atrás assisti num noticiário da grande imprensa, matéria que tratava de uma denúncia de maus tratos contra pessoas idosas. A notícia retratava diversos casos de filhos, netos, e diversos parentes que abandonavam pais, avós e demais idosos em asilos, largados à solidão, lançados à própria sorte.

A notícia me deixou muito impressionado pela frieza com que as pessoas [na maioria, jovens] tratam os mais velhos. Aí, lembrei-me de um filme que assisti [cerca de uma dúzia de vezes], uma obra prima, dirigido e estrelado por Kevin Costner. O nome do filme é “Dança com lobos”, a magnífica obra cinematográfica retrata o episódio real da ocupação do oeste americano pelo homem branco. Em nome de abrir espaços para o tal “progresso” no oeste dos EUA, os ingleses [brancos] vão dizimando todas as grandes nações indígenas, como os Apaches, os Sioux, os Comanches, dentre outras.

Pois bem! Uma das passagens maravilhosas da película de Costner, o que mais me chamou à atenção foi a relação que os jovens da grande nação Sioux tinha com as pessoas mais velhas da tribo. O filme demonstra, com grande maestria, esta relação de respeito e admiração. Os jovens jamais falavam quando um idoso [ancião] estava se pronunciando. Quando o conselho de guerreiros se reunia, a palavra final era sempre dos mais velhos, a qual era endossada pelo cacique [também um ancião]. O filme destaca o valor dado pelos jovens à experiência vivida pelos anciãos. Isto ficava claro na paciência e atenção com que as crianças e jovens Sioux dispensavam aos velhos anciãos, quando estes contavam suas histórias.

Refletindo sobre a notícia da agressão aos idosos veiculada na TV e lembrando-me do filme de Costner, resolvi escrever este breve desabafo. Aí me pergunt onde estão os valores humanos? Onde estão o respeito, a admiração e a solidariedade dos jovens da sociedade branca e machista dos dias de hoje? Parece que, a cada dia que passa, mais a sociedade regride, se embrutece, o homem perde, a olhos vistos, sua sensibilidade. Nesta sociedade há uma inversão completa de valores morais [não no sentido hipócrita da palavra] e humanas pelos valores medíocres e bestiais de um mundo desumanizado, no qual as pessoas se transformam em coisas e mercadorias a serviço da ganância humana.

Aí também me pergunt estes são os novos tempos? Esta é a sociedade da tecnologia, da comunicação e da informação? Alguém já reparou na linguagem com que os jovens se comunicam na Internet? Quanto tempo as pessoas dispensam para conversar com os amigos, com os mais velhos? Nem nas horas das refeições [horas sagradas, conforme aprendi com meus pais] as pessoas se reúnem. Já não possuem tempo para conversar, para dialogar com o outro. O tempo agora é para as relações virtuais na Net, no MSN. O tempo é para os jogos violentos e virtuais, onde os jovens se divertem [e como!] vendo homens virtuais matando outros homens. E, quanto mais violento melhor, mais as pessoas se divertem!

Enquanto isso tudo acontece, a mídia ganha fortunas com as notícias de roubo e assassinato. Na esquina o jornaleiro repete: Comprem o jornal! Hoje deu crime! Até quando esta continuará sendo a lógica da sociedade desenvolvida, da “sociedade do conhecimento”? Enquanto os jovens se preocupam com drogas, em incendiar indígenas e mendigos, em estuprar, em matar e espancar prostitutas e homossexuais, eu continuo pensando na face meiga e suave, porém, preocupada do velho cacique Sioux observando o avanço do homem branco devastando os animais e seus irmãos de pele vermelha, em sua marcha do “progresso” para o oeste. Jamais conseguirei esquecer a silhueta daquele cacique de rosto de pedra e marcado pela experiência e pelos sulcos da vida!        

(*) Escritor, geógrafo pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU/MG), mestre e doutorando em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia (FACED/UFU), pesquisador das temáticas “Alterações climáticas” e “Impactos das monoculturas sobre os biomas brasileiros”, Docente da Universidade de Uberaba (UNIUBE)

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