ARTICULISTAS

Tornando-se invisível

Estimado Leitor, continuarei, hoje, tratando da clandestinidade política

Mozart Lacerda Filho
Publicado em 19/06/2011 às 13:43Atualizado em 19/12/2022 às 23:45
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Estimado Leitor, continuarei, hoje, tratando da clandestinidade política. As motivações que fizeram com que um grande número de militantes de esquerda aderissem à vida clandestina eram, de um modo geral, vinculadas à tentativa de derrubar o governo dos militares que estavam no poder e fugir das perseguições impostas pelos órgãos de repressão.

Acerca da primeira motivação, é preciso considerar que entrar para a clandestinidade fazia parte do rol de lutas de quem militava contra a ditadura que, desde 1964, assolava o Brasil.

Fazendo uma leitura das condições concretas de cada lugar, as organizações de esquerda compreendiam que era necessário usar as mesmas armas do inimigo na tentativa de vencê-los. Diante disso, a clandestinidade não era vista pelos militantes como uma heterodoxia, uma excentricidade e, muito menos, uma ação irresponsável.

Até que ponto pensar na possibilidade de ter que aderir à condição de clandestinidade é estar preparado para ela, não é fator que podemos inferir com precisão. Podemos, outrossim, conjecturar que a vida clandestina era um elemento discutido entre os militantes de esquerda.

É preciso considerar que, a partir de 1966, ocorre uma retomada dos movimentos de massa, os estudantes voltam às ruas e as greves nas fábricas ganham fôlego. Diante de um quadro dessa natureza, engendrar ações grevistas ou mesmo de apelo popular contrastava diretamente com a figura de um militante agindo de improviso.

Ademais, se julgarmos as ações dos militares para conter o avanço dos militantes de esquerda, veremos que os órgãos de repressão não os viam como quem age de maneira amadora. Apenas a guisa de exemplo, podemos citar que durante os meses de setembro de 1973 e fevereiro de 1974, os órgãos de repressão da ditadura militar prenderam, torturaram e executaram sete membros da AP: Paulo Stuart Wrigth, morto em 05/09/1973; Humberto Câmara Neto, morto em 08/10/1973; Honestino Guimarães, morto em 10/10/1973; José Carlos Mata Machado e Gildo Macedo Lacerda, mortos em 28/10/1973; Eduardo Collier e Fernando Santa Cruz, mortos em 23/02/1974. Essa verdadeira caçada, empreendida pelos agentes da repressão aos membros da AP, revela que esses militantes não eram vistos como pessoas que agiam de improviso.

Podemos dizer, portanto, que aderir à condição de militante clandestino fazia parte das possibilidades de quem militava numa organização de esquerda naquelas condições de enormes constrangimentos políticos. E que, em maior ou menor grau e para o bem ou para o mal, esses militantes contavam com essa alternativa.

Outro aspecto que é mister abordar nessa discussão faz referência à questão da integridade física e, logo, da sobrevivência de quem aderiu aos movimentos de resistência contra a ditadura por força da militância de esquerda. Um fantasma sempre rondou a cabeça desses militantes, sobretudo, depois da edição do AI-5, em dezembro de 1968: a possibilidade de serem presos, torturados e mortos. Os depoimentos supracitados mostram militantes que discutiam com sua organização (ou parte dela), a possibilidade de aderirem à vida clandestina. Em alguns casos, conforme dissemos, a própria organização assim solicitava.

(*) Doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira e da Facthus 

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