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Vida clandestina - 2

Estimado leitor, a vida clandestina exigia dos militantes ajustes extraordinários para sua realização

Mozart Lacerda Filho
Publicado em 12/06/2011 às 15:41Atualizado em 19/12/2022 às 23:50
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Estimado leitor, a vida clandestina exigia dos militantes ajustes extraordinários para sua realização. O mais difícil deles talvez seja “matar” sua identidade legal. A clandestinidade exigia o desaparecimento do mundo legal, passo primeiro na luta pela manutenção da vida. Nessas condições, não se trata de construir uma vida anônima para esses militantes, e sim fazer com que eles assumam outra identidade, ou melhor, uma nova forma de identificação. Nessas condições, esses militantes passam a representar um papel que não foi construído através de trajetórias de vida nem de interações estabelecidas ao longo do percurso.

Assumem uma identidade pro tempore, que convive, ao mesmo tempo, com a sua identidade original, não podendo, em hipótese alguma, desconectar esses dois mundos, sob o risco de perderem contato com a realidade e, por conta disso, colocarem em risco sua vida e a da organização a que pertenciam. Essa perda de realidade pode ser tanto política como de cunho interno.

Pondo de lado, momentaneamente, as divergências ideológicas que sempre acompanharam a esquerda brasileira, quer antes, quer depois do golpe civil-militar de 1964, podemos afirmar que a clandestinidade era parte de um projeto que visava, em linhas gerais, devolver ao País a condição de liberdade, surrupiada por efeito da chegada dos militares ao poder.

Para isso, era necessário mapear as trajetórias criadas e mantidas pelos militantes que viveram a experiência clandestina. Sabemos que a atuação no campo era vital para as pretensões guerrilheiras e, por isso, as esquerdas brasileiras debateram durante um bom tempo sobre qual o melhor modelo de guerrilha deveria ser adotad uma guerrilha rural, com ênfase na tese do foco guerrilheiro ou uma guerrilha urbana, com foco na organização de grupos urbanos.

E foi na segunda opção que a clandestinidade, na maioria das vezes, encontrou os espaços necessários para seu desenvolvimento. A vida urbana, sendo o palco maior da experiência clandestina dos militantes recebeu atenção especial, onde buscamos compreender como as relações mantidas entre os sujeitos e as exigências de adequação à vida urbana. Em diversos momentos, viver na cidade exigia de todos uma visibilidade, por vezes, indisponível ao militante clandestino. Disso decorre que a extrema complexidade dos espaços urbanos – para quem precisa nele se ocultar – exigiu dos ex-militantes uma sofisticada engenharia de adaptação.

 

(*) Doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira e da Facthus

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