ARTICULISTAS

A face oculta de Joaquina Gomes

Vasculhando o passado musical uberabense, surpreendo-me inúmeras vezes

Olga Maria Frange de Oliveira
Publicado em 22/08/2018 às 21:32Atualizado em 17/12/2022 às 12:45
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Vasculhando o passado musical uberabense, surpreendo-me inúmeras vezes com revelações surpreendentes sobre pessoas relevantes que aqui residiram e deram uma valiosa contribuição à cultura local. Uma das mais inesperadas descobertas foi a da presença de D. Joaquina Amália Gomes Henking, irmã do célebre compositor Carlos Gomes (1836/1896). O maestro Antonio Carlos Gomes, nascido em Campinas, foi o músico latino-americano de maior evidência mundial no século XIX. Com sua arte, elevou bem alto o nome do Brasil e suas óperas foram encenadas em quase todos os teatros europeus. 

Joaquina foi pianista profissional e professora de canto e piano, uma das primeiras mulheres brasileiras com esse perfil. Rebento de uma família de músicos, era filha do maestro Manuel José Gomes (regente da banda de Campinas) e de Francisca Leite Gomes (segunda mulher). Era, portanto, irmã por parte de pai do grande mestre. Nasceu em 8 de maio de 1853 e teve seu pai como primeiro professor. Aos dezoito anos já era pianista e cantora consagrada nos meios campineiros. Em 1871, apresentou-se no Teatro São Carlos, ao lado de Carlos Gomes, tocando com desenvoltura e musicalidade peças extraídas da ópera “O Guarani”, adaptadas para piano pelo próprio autor. Participava também, como cantora e pianista, de concertos da Orquestra Campineira, sob a batuta de seu outro irmão, José Pedro de Sant’Anna Gomes.

Casou-se com o professor Emilio Henking, em 1872, aos 19 anos. Ele era descendente de imigrantes alemães, excelente citarista (instrumento de cordas dedilhadas, derivado da lira, tocado com o auxílio de um plectro), farmacêutico, professor de Aritmética e Música no Colégio Florence, em Campinas. Em 1888, o casal transfere residência para Valinhos (SP), motivado por um violento surto de febre amarela que dizimou grande parte da população. No entanto, não se afastaram da vida musical de Campinas, pois há registros de concertos com a participação do casal nos anos 1892/93.

Após a morte do marido, Joaquina resolveu vir para Uberaba com seus dois filhos: Ormeno (pianista e compositor) e Vera (cantora lírica). Aqui permaneceu de 1904 até meados de 1907, trabalhando como professora de Canto e Piano, participando de concertos e organizando movimentados saraus em sua residência.

Encontramos o primeiro registro de seu nome na mídia local no jornal “Lavoura e Comércio” de 8 de setembro de 1904. O jornal comunica a participação de todos os integrantes da família, ao lado de outros músicos, num concerto vocal e instrumental, organizado pelo maestro Eduardo Bourdot, no salão nobre da Câmara Municipal. A presença da ilustre professora agita o setor musical e desperta o interesse da sociedade local.

Em meados de 1905, com a partida do professor Charles Parthon para São Paulo, Joaquina assume os talentosos discípulos desse admirável mestre de origem francesa. Dentre estes estã as irmãs Meirelles, Filhinha, Rolinha e Poupée; Nair Medeiros e Irene Rosa. Dessa forma, essas pianistas de reconhecido mérito puderam prosseguir seus estudos, bem orientadas, antes de partirem para construir suas vitoriosas carreiras fora de Uberaba.

O grande momento da virtuose D. Joaquina Gomes nos palcos uberabenses ocorreu em 1906, como pianista acompanhante do afamado flautista Pattapio Silva, que realizava extensa turnê pelo Estado de Minas. A classe artística se uniu toda para recebê-lo condignamente. De 27/05/1906 a 05/06/1906 houve dois concertos no Teatro São Luís, com casa lotada; uma apresentação no Colégio Marista Diocesano e um sarau na residência de Joaquina. Quintiliano Jardim escreveu uma de suas mais inspiradas crônicas sobre o evento. Pattapio se apaixonou por Uberaba. Prometeu voltar no ano seguinte, mas não pôde honrar o compromisso. Faleceu em 1907, no esplendor de seus 26 anos.

D. Joaquina Gomes atuou profissionalmente em Campinas, Valinhos, Uberaba, Sacramento e Ribeirão Preto. Partiu de Uberaba em 1907, fixando residência em Ribeirão Preto, onde viveu até 1939. Em 1916, encontramos notícias da pianista em Sacramento (MG), apresentando-se no Cine-Teatro Recreio, ponto de encontro de intelectuais e lugar de grandes saraus. Consta que uma das melhores atrações era a pianista D. Joaquina Gomes Henking. 

(*) Pianista, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba e ex-diretora geral da Fundação Cultural de Uberaba

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