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Até onde vai minha liberdade?

De Belo Horizonte, uma leitora me telefona pedindo informações sobre o médico Dr. Dagoberto Ministério

Padre Prata
Publicado em 20/10/2018 às 11:31Atualizado em 17/12/2022 às 14:40
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De Belo Horizonte, uma leitora me telefona pedindo informações sobre o médico Dr. Dagoberto Ministério. Estava escrevendo sua biografia e procurava dados. O dito doutor tinha sido médico do Seminário onde estudei em 1943. O país estava em guerra. Os tempos estavam difíceis. Nossa alimentação era deficiente. Não havia farinha e não comíamos pão, apenas bolo de fubá. Três colegas meus (Oscar, Durval e Chico Viana) tinham sido afetados pela tuberculose. Fiquei com medo. Foi o que me levou ao Dr. Dagoberto, pedindo que me receitasse umas vitaminas. Era baixinho, de bigodes finos, usava óculos de lentes grossas. Falei de minha alimentação deficiente e de meus medos. Olhou bem para mim e pediu para que ficasse de pé e passou a examinar-me. Olhou minha língua, minha garganta, botou o ouvido nas minhas costas, mandou que eu respirasse fundo e dissesse trinta e três. Mandou que me sentasse, botou a mão no meu abdome dando umas pancadinhas com os dedos, bateu nos meus joelhos com um martelinho e voltou para o lugar dele. Veio, então, o veredicto final: “Você não tem nada, menino. Está muito sadio. Não precisa de remédio nenhum. Se você comer uma goiaba por dia é melhor do que tomar vitaminas”. Passou, então, a escrever a receita. Dobrou-a em quatro e me entregou. Agradeci e, já de fora da sala, passei a ler a “receita”. Estava em letras bem legíveis, o que não acontece nas receitas dos médicos: “Você precisa ler a Bíblia. Sugiro as cartas de São Paulo. Uma sugestã 1Cor 7, 21 e 10, 23”. Abri a Bíblia e li: “Foi para viver em paz que Deus nos chamou” e “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém”. Botei a receita na gaveta e fui procurar uma goiaba. A conclusão de tudo isso foi que nunca mais me esqueci do Doutor Dagoberto, muito menos de sua estranha receita. Nem da goiaba.

O tempo foi passando e fui cada vez mais me convencendo de que há coisas que nos acontecem na vida das quais nem sempre tomamos consciência de seu significado e de suas consequências. Somos cegos para certas coisas. Aquela receita, muitos anos depois, me convenceu de que o mais importante em nossa vida são os dons que Deus nos deu. Aqueles dois textos do Dr. Dagoberto se agarraram em minha memória. Fui descobrindo o sentido da paz e da liberdade. Sou livre, mas não posso fazer o que não convém. É dentro de minha liberdade que descubro dois novos dons: a Sabedoria e a Prudência, isto é, como devo agir, como encontrar os caminhos mais seguros, como tomar as decisões mais certas. O que Deus quer de mim e de você é que vivamos em paz. Se eu e você mantivermos a tranquilidade interior, mesmo sem dizer uma palavra, promoveremos a paz ao redor de nós. Criar clima de guerra para quê? Criticar a vida dos outros para quê? Quando revido a uma agressão estou sendo manipulado pelo meu agressor, desço ao nível dele. Não é melhor comer nossa goiaba em paz?

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