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Por que é tão difícil envelhecer?

De repente… 30… 40… 50… 60 anos! Cabelos brancos, rugas, cansaço, dor no ciático

Liliane Cristina de Além-Mar e Silva
Publicado em 01/06/2019 às 10:42Atualizado em 17/12/2022 às 21:18
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De repente… 30… 40… 50… 60 anos! Cabelos brancos, rugas, cansaço, dor no ciático, dificuldade de memória, aumento do grau dos óculos, pele menos elástica, consultas médicas mais frequentes, climatério, exame de toque prostatal, aumento dos gastos com farmácia, eita, quanta mudança repentina! E quanta coisa desconhecida, e não planejada! Por que é tão difícil envelhecer? 

Por incrível que pareça, mesmo o corpo das pessoas mais saudáveis durante a vida jovem deixa de ser silencioso durante o processo do envelhecimento. E o estranhamento das novidades físicas não surge sozinho, ele vem muito bem acompanhado por desconfortos muito marcantes: a sensação de solidão, o medo de depender de cuidados de alguém, o sentimento de inutilidade ou de perda de função e reconhecimento na vida profissional e mesmo na família, a dificuldade de aceitar o modo de pensar das gerações mais jovens, os questionamentos das boas e más escolhas feitas durante a vida, a dor de observar o aumento de frequência de adoecimento e mortes de pessoas próximas e queridas, o pavor das doenças que nos parecem tirar a liberdade de escolher e emitir opiniões. Nossa... realmente é muito difícil envelhecer!

A sensação é a de que o envelhecimento parece chegar para tirar a paz que demorou ser conquistada após a euforia e correria pela vida, após infinitas lutas e ajustes para a própria manutenção da família e conquista pela sobrevivência diária enquanto jovem. Parece que essa paz que deveria ter sido vivida sequer chegou a ser sentida, apenas foi possível perceber a sua perda em função do tumulto excessivo que as perdas físicas e as angústias do envelhecimento trouxeram. Com tudo isso, seria então possível não ser difícil envelhecer? Ou seria possível pensar em formas de contornar essas dificuldades?

Para responder a essas perguntas gostaria de apelar para alguns conteúdos da física. Sabemos que dois corpos não ocupam um mesmo lugar, assim como não estamos no buraco negro, portanto, em nossa vida diária, tudo está ocupado por alguma coisa, inclusive os nossos pensamentos. Por exemplo, quando bebemos a água de um copo o ar do ambiente rapidamente ocupa o lugar onde estava a água, e o copo fica cheio de ar, ele não fica vazio. Isto quer dizer, de forma bastante simples, que se durante nossas vidas e nosso processo de envelhecimento mantivermos preenchidos os nossos “recipientes”, possivelmente diminuiremos alguns sentimentos de vazio, medo, insegurança, não aceitação e demais dificuldades. Ou seja, cuidaremos de ser mentalmente mais saudáveis, mais adaptáveis às mudanças impostas pela vida e seremos mais felizes.

Podemos, por exemplo, ocupar o vazio deixado pela morte de um ente querido pelo nascimento de um neto ou por reuniões mais frequentes com amigos amados. Assim como o da ausência do trabalho pela aposentadoria por um trabalho voluntário na comunidade e por atividades físicas para cuidados com a saúde para que possivelmente nunca se teve tempo.

Resumindo, o preenchimento dos vazios trazidos pelo envelhecimento por outros recheios, também ricos de sentimentos e importância, é uma promessa saudável e feliz para quem deseja facilitar os entraves naturalmente gerados por esta fase da vida. 

(*) Neuropsicóloga, doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP e pela Universidade de Toronto – Canadá. É sócia fundadora do Instituto de Neurociências Elza dos Passos Silva, em Uberaba. Tem 15 anos de experiência em diagnóstico neuropsicológico, reabilitação neuropsicológica holística e orientação familiar para o contexto do manejo cotidiano com a pessoa com acometimentos neurológicos

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