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Mensagem celestial - Inspirada em vidas brasileiras com personagens ficcionais

Minha tia, quando eu tinha cinco anos e minha mãe faleceu, passou a cuidar de mim. Solteira, caçula de oito irmãos

Luiz Cláudio dos Reis Campos
Publicado em 20/05/2019 às 22:30Atualizado em 17/12/2022 às 20:57
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Minha tia, quando eu tinha cinco anos e minha mãe faleceu, passou a cuidar de mim. Solteira, caçula de oito irmãos, trabalhava como doméstica de segunda a sábado. Com pouco saber escolar, mas com muita inteligência, fez questão de pelejar pelos meus estudos, cuidando para que eu frequentasse uma boa escola pública. Iniciei aos sete anos. Alfabetizei-me rapidamente. Assimilei facilmente matemática, geografia, história, ciências e os primeiros passos no inglês. Não era justo uma mulher ralar dia e noite na rotina ingrata de arrumar o desarrumado do dia anterior que deixou arrumado sem, da minha parte, oferecer-me como troféu de uma batalha, cuja vitória para ela era a minha vitória. Um dia vi tia Celeste, esse era o seu nome, em prantos. Indaguei-a sobre o que estava acontecendo. Disse-me para não preocupar. Entretanto, aquela cena passou a ser frequente. Insisti que desabafasse. Foi quando ouvi: “Meu filho, não estarei com você por muito tempo. Lembra-se das minhas visitas ao posto de saúde e das tentativas de ser atendida e fazer uma série de exames que nunca aconteceram? Pois é, o tempo correu contra mim. Não é possível fazer mais muita coisa. Meu sonho em vida vai ficando por aqui. Espero, onde estarei, comemorar seu êxito. Deixo aqui minha mensagem de Natal, esse que deve ser o meu último. Lute por um mundo melhor, uma vida mais justa. Sei que minha ausência irá dificultar sua caminhada, mas não desista. Não se conforme com a miséria e a corrupção. Não perca de vista que você é um ser humano com direitos iguais a todos. Faça de sua vida exemplo para seus possíveis filhos. Reverencie a memória de sua mãe. Não se entregue. Seja capaz de entender o mundo para poder transformar seu cotidiano e a injustificável diferença que impossibilita acesso ao mínimo que todos têm direito. Dias melhores não virão sem a nossa interferência. Sei que vivi sem presenciar um mundo melhor. Agora, vá dormir. Beije minha testa e tenha um bom sono. Quem sabe terei força para celebrar mais um aniversário seu. Em minha ausência nunca se esqueça de que a Educação é vital para sua afirmação e reconhecimento de si mesmo como um ser humano útil e coletivamente comprometido com sua origem e dos seus iguais”. Ainda não disse meu nome, mas não importa e nem faz diferença. Concorda?

(*) Engenheiro

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